sexta-feira, abril 29, 2005

Augusto Hilário, fadista (4/4)

Quadras
in "Hilário - fadista de Coimbra, Viseense de Coração", edição de "AVIS - Associação para o debate de ideias e concretizações culturais de Viseu", 1996

Olhos verdes, côr d'esperança,
Inconstantes, côr do mar,
Quem tem amor é criança...
Sou criança por te amar!

***

Ouvi dizer ao luar,
Com trinados na garganta:
- Quem canta seu mal espanta -;
e puz-me então a cantar...

***

Vai alta a noite, vai alta,
Brilha no céu branca lua;
Vem tu vê-la minha amada,
Ruminando esta rua.

***

Cordas da minha guitarra,
Luzidias, prateadas,
Foram cabellos roubados
Às minhas doces amadas.

***

Tu já foste o que eu sou,
Eu não sou o que tu és
O teu bandolim quebrou
O meu vai beijar - teus pés

***

Se o Padre Santo soubesse
O que é ambição minha
Canonizava o João
Inscrevia-o na folhinha

***

Se o Padre Santo soubesse
o gosto que o fado tem
Vinha de Roma a Lisboa
Cantar o fado também

***

O mar também tem amante,
O mar também tem mulher,
É casado com a areia,
Dá-lhe beijos quando quer.

***

Tuas mãos são branca neve
Teus dedos são lindas flores,
Teus braços cadeias d'ouro,
Laços que prendem amores.

***

Eu queria ser como a hera,
Pela parede a subir,
Para chegar à janela
Do teu quarto de dormir.

***

Foge, lua, envergonhada
Retira-te lá do céu,
Que o olhar da minha amada
Tem mais brilho do que o teu.

***

Nossa Senhora faz meia
Com linha feita de luz
O novelo é lua cheia,
As meias são p'ra Jesus.

***

Tem o brilho das estrelas
E o fulgor dos arrebois;
Quem me dera, com dois beijos,
Apagar tão lindos sois!

***

O Mondego vai fugindo
Com quem me dera agarrar
O amor é como rio:
Foge e não torna a voltar.

***

A minha capa velhinha
Tem a cor da noite escura;
Não a quero amortalhada
Quando fôr para a sepultura.

***

Não há safiras mais belas
Na grande concha dos céus;
Pois se Deus quis ter estrelas,
Roubou-as dos olhos teus!

***

Guitarra, minha guitarra,
Solta teus ais, tuas queixas;
E's tu a única amante
Que por outro me não deixas.

FADO HILÁRIO

Augusto Hilário, fadista (3/4)

Documentos
in "Hilário - fadista de Coimbra, Viseense de Coração", edição de "AVIS - Associação para o debate de ideias e concretizações culturais de Viseu", 1996

ESCRITURA DE PERFILHAÇÃO

Transcrição:
Diz António da Costa Alves, desta cidade, que precisa por certidão a escritura de perfilhação feita pelo suplicante e sua mulher, a seu filho Augusto Hilário. Feita em 8 de Junho de 1883 na nota do tabelião Abranches.
Pede a V. Ex.a se digne mandar-lhe passar. Viseu, 9 de Dezembro de 1886.
António da Costa Alves

Em cumprimento do despacho supra do doutor António Augusto da Cunha Coutinho, Juíz de Direito desta comarca de Viseu por Sua magestade Fidelissima que Deus guarde.

Silvério Augusto de Abranches Coelho e Moura, escrivão do quarto ofício do mesmo juízo e tabelião de notas na dita comarca pelo mesmo augusto senhor.

Certifico que no meu cartório se acha arquivado um livro de notas com o número cinquenta e dois que teve seu princípio em dois de Abril de mil oitocentos e oitenta e três e fim em trinta de Julho do mesmo ano. E n'ele a folhas cento e uma verso, se acha a escritura a que se refere a petição, da qual o seu teor é o seguinte:

Escritura de perfilhação que fazem António da Costa Alves e mulher, desta cidade, a seus filhos Augusto Hilário, António Pais e Carlos Alberto. Saibam os que esta virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e oitenta e três, aos oito de Junho, nesta antiga e muito nobre cidade de Viseu e meu escritório perante mim tabelião e as testemunhas adiante nomeadas e assinadas, compareceram António da Costa Alves e sua mulher Ana de Jesus da Mouta, proprietários, desta cidade, e meus conhecidos, de que dou fé. E por eles foi dito em presença das testemunhas, que no estado de solteiros, tiveram dentre ambos um
filho por nome Lázaro Augusto, e hoje pela crisma Augusto Hilário, que foi exposto na Roda desta cidade, pelas cinco horas da manhã do dia sete de Janeiro de mil oitocentos e sessenta e quatro, e foi baptizado na Sé desta cidade pelo pároco da freguesia ocidental em quinze do mesmo mês e ano, e foram seus padrinhos João da Costa, viúvo, e Maria Alexandrina, viúva, ambos desta cidade. Outro filho por nome António Pais que foi exposto na mesma Roda, pelas dez horas e meia da noite, do dia vinte de Fevereiro de mil oitocentos e sessenta e cinco e foi baptizado na Sé desta cidade pelo pároco da freguesia Oriental Joaquim Marques Pinto. em vinte e quatro do dito mês e ano, foram padrinhos o referido João da Costa e Maria das Dores, viúva, rodeira, ambos desta cidade. E outro por nome Carlos Alberto, que entrou na Roda desta cidade pelas nove horas e meia da noite do dia trinta do mês de Julho de mil oitocentos e sessenta e oito e foi baptizado pelo pároco da freguesia Oriental na Sé desta cidade em três de Agosto do dito ano e foram seus padrinhos o mesmo João da Costa e Maria Alexandrina, ajudante da rodeira, desta cidade. E estes três filhos hão por perfilhados pela presente escritura para todos os efeitos legais. Em testemunho de verdade assim o disseram e outorgaram na presença das testemunhas António Maria da Silva, casado, proprietário e Joaquim Maria Bicudo, casado, vendeiro, ambos desta cidade, que assignaram com o outorgante marido e a rogo da outorgante mulher por não saber escrever, assinou Manuel Rodrigues Ferreira, viúvo, vendeiro, desta cidade. Depois de selada com duas estampilhas no valor de mil e quinhentos reis, e de lida por mim Silvério Augusto de Abranches Coelho e Moura que a escrevi. António da Costa Alves. A rogo: Manuel Rodrigues Ferreira - António Maria da Silva - Joaquim Maria Bicudo - Lugar do sinal público. Em testemunho de verdade: Silvério Augusto de Abranches Coelho e Moura. Tem selados dois selos de estampilha no valor de mil e quinhentos reis competentemente inutilizados.


E nada mais se continha na dita escritura que aqui bem e fielmente copiada fiz passar por certidão à vista do próprio livro a que me reporto, e com o qual esta foi conferida por mim e outro oficial de justiça comigo abaixo assinado. Viseu, nove de Dezembro de mil oitocentos e oitenta e seis. E eu Silvério Augusto de Abranches Coelho e Moura que a subscrevi.



ASSENTO DE BAPTISMO

TRANSCRIÇÃO:

Aos quinze dias do mês de Janeiro do ano de mil e oitocentos e sessenta e quatro, na Sé Catedral desta cidade de Viseu baptizei solenemente um individuo do sexo masculino, a que dei o nome de Lázaro Augusto exposto na Roda desta dita cidade pelas cinco horas da manhã do dia sete do dito mês e ano. Foi padrinho João da Costa, viúvo, sacristão do Sacramento e Maria Alexandrina, viúva, os quais todos vi serem os próprios. E para constar lavrei em duplicado este assento, que assinei. Era ut supra

o Presbitero Joaquim Marques Pinto

À MARGEM

N.2
Roda
Lázaro Augusto
Em vinte e seis de Maio de mil oitocentos e setenta e sete foi crismado Lázaro Augusto e mudou o nome para Augusto Hilário. Fiz esta nota por autorização do Excelentíssimo Governador e Vigário Geral deste Bispado. Viseu vinte e cinco de Setembro de mil oitocentos e setenta e sete. O Pároco José d' Abreu Castello Branco.



CERTIDÃO DE ÓBITO

TRANSCRIÇÃO:

“Aos três dias do mês de Abril do ano mil oitocentos e noventa seis, na Rua-Nova, freguesia Ocidental da Sé, pelas nove horas da noite faleceu sem Sacramentos um indivíduo do sexo masculino por nome Augusto Hilário da Costa Alves, solteiro, maior de trinta e dois anos de idade, Aspirante da Escola Naval, filho legítimo de António da Costa Alves, proprietário, e de Ana de Jesus da Mouta ambos desta cidade. Não me consta que testasse, nem que deixasse filhos e foi sepultado no Cemitério público d'esta cidade. E para constar abri em duplicado este termo que assino.
Era ut retro. O Coadjutor - João Bento Peres".

À MARGEM:

"Criador do Fado do Hilário e poeta e boémio, notável cantor do mesmo Fado, conhecido em todo o país pelo Fado Hilario".



CERTIDÃO DE HABILITAÇÕES

Transcrição:

José Simões Dias, professor e secretário do Liceu Nacional de Viseu, etc.
Certifico que Augusto Hilário da Costa Alves, filho de António da Costa Alves, natural de Viseu, fez exame de passagem do segundo ano de Português no dia nove de Julho de mil oitocentos e setenta e nove, ficando aprovado com dez valores. Livro a folha 28.

Item, fez exame do segundo ano de Desenho, no dia nove de Julho de mil oitocentos e setenta e nove ficando aprovado com onze valores. Livro a folha 22.

Item, fez exame de Francês, no dia cinco de Agosto de mil oitocentos e setenta e nove ficando aprovado. Livro a folha 31 verso.

Item, fez exame final de Geografia, Cronologia e História, no dia catorze de Agosto de mil oitocentos e oitenta ficando aprovado. Livro a folha 25 verso.

Item, fez exame de Literatura Nacional, no dia vinte e cinco de Julho de mil oitocentos e oitenta e um, ficando aprovado com a média de treze valores. Livro a folha 17.

Item, fez exame final de Matemática Elementar no dia catorze de Agosto de mil oitocentos e oitenta e seis, ficando aprovado. Livro a folha 55 verso.

Item, fez exame final de Princípios de Física e Química e Introdução à História Natural, no dia vinte e sete de Agosto de mil oitocentos e oitenta e seis, ficando aprovado. Livro a folha 20.

Item, fez exame final de Elmentos de Direito Civil, Direito Público, Direito Administrativo Português e Economia Política, no dia dois de Agosto de mil oitocentos e oitenta e seis, ficando aprovado. Livro a folha 3 verso.

Secretaria do Liceu Nacional de Viseu, 16 de Setembro de 1886.
O Secretário, José Simões Dias.

Augusto Hilário, fadista (2/4)

Testemunho da sobrinha-neta

FAMÍLIA DE HILÁRIO DOA GUITARRA AO MUSEU ACADÉMICO DE COIMBRA
in "Hilário - fadista de Coimbra, Viseense de Coração", edição de "AVIS - Associação para o debate de ideias e concretizações culturais de Viseu", 1996



O Museu Académico de Coimbra, fiel repositório das preciosidades da vida da secular Universidade, passou a contar com mais uma peça de inegável valor histórico - a última guitarra de Augusto Hilário.

A 24 de Junho de 1967, numa sessão solene a que presidiu o reitor da Universidade, Prof. Doutor Andrade Gouveia, a senhora D.ª Maria Alice Trindade Figueiredo Alves - sobrinha-neta de A. Hilário - em representação da família, ofertou ao Museu Académico a última guitarra de Hilário, autêntica relíquia do fado de Coimbra.

Durante a cerimónia, usaram da palavra o Reitor da Universidade que se congratulou com a oferta, o sr. Coronel Carlos Faustino da Cunha Duarte que foi o grande promotor desta doação, o presidente da Associação Académica de Coimbra que agradeceu em nome da Academia e a Senhora D.ª Maria Alice Alves, que pronunciou a dissertação que a seguir se transcreve.

"Não tenho qualquer prática de falar em público, nem me sinto habilitada a responder ao muito que, certamente, V. Ex. as desejariam saber àcerca da vida e da obra de Hilário, meu Tio-Avô. Por tal motivo, limito-me a expor, em linguagem simples, o que sei e o que motiva a minha presença neste acto, em representação de toda a família que em mim delegou o desempenho desta missão.

Augusto Hilário da Costa Alves, o imortal estudante de Coimbra, nasceu em 7 de Janeiro de 1864, na casa nº 14 da Rua Nova, da cidade de Viseu. Ali frequentou o Liceu, passando, depois, para Coimbra, onde cursou medicina.
Em 1896, com 32 anos de idade, teria chegado ao fim da formatura, se não tivesse chegado também ao termo da sua existência.
Sentindo-se doente, regressou à casa paterna, onde veio a falecer em quinta-feira Santa daquele ano, deixando atrás de si vasta obra poética e musical que, com o rodar dos tempos, se foi perdendo, com excepção do fado a que dera o seu nome.
Do seu comportamento como estudante não rezam as crónicas, mas pode adivinhar-se pelo número de anos que levou a chegar ao fim. Apesar disso não ficou na mediocridade, porque o seu génio artístico dera tudo quanto pudera à Academia de então. Tinha um amigo sincero e um admirador em cada contemporâneo, facto testemunhado em autógrafos que conservo.

A casa em que nasceu e morreu, pertencia aos Pais, que ali continuaram a viver. Além deste, tinham mais dois filhos, dos quais um, - já casado e que viria a ser, mais tarde, meu Avô, - fixara residência à parte, .ficando o outro com os Pais.
À morte destes, meu Avô transferiu novamente a sua residência para aquela casa, onde veio a falecer em 17 de Maio de 1957, com noventa anos de idade.

Extinta a última "relíquia" da familia e porque os herdeiros eram já muitos e espalhados, houve que proceder-se a partilhas, tendo sido vendida a casa por volta de 1959. Estas considerações vieram com o propósito de vincar que, se Hilário nos aparece como uma figura do século passado, até, por vezes, lendária, o facto se deve à sua morte prematura. Muitos dos presentes poderiam tê-lo conhecido, se tivesse vivido mais alguns anos, como os seus.

Da guitarra que o acompanhou em vida, nunca se soube o destino, mas, em lugar de honra, fora sempre conservada, com religiosa estima, uma outra oferecida como derradeira homenagem, pelo Ateneu Comercial de Lisboa, que as suas mãos febris ainda dedilharam e ainda hoje se conserva tal como foi deixada.

Por acordo familiar, não entrou em partilhas, ficando a pertencer a todos e, desde logo, mais ou menos resolvida a sua oferta ao Museu Académico de Coimbra.
Por grande prova de amizade, a restante família confiou-a à minha guarda até que se resolvesse definitivamente o destino a dar-lhe.

Quando a Academia de Coimbra lançou os primeiros ecos da homenagem que se propunha levar a efeito, em Viseu, ao seu colega de há 100 anos, fui abordada pelo Sr. Gilberto de Carvalho, que vinha manifestar-me o desejo dos estudantes de que a guitarra fosse com eles no seu regresso à Lusa-Atenas.

Tomei a sugestão na devida conta e dei os passos que se me afiguraram necessários para obter, junto de quem me iam indicando, informações seguras sobre essas possibilidade. Nunca, porém, obtive uma resposta, ninguém mais me falou, e o assunto morreu, por me parecer que o silêncio significava desinteresse.

Já se procurava outro destino a dar-lhe, quando voltei a ser abordada, agora pelo Ex° Senhor Coronel Faustino da Silva Duarte, digno Comandante do RI. 14 de Viseu que, com a tenacidade e o dinamismo que caracterizam o verdadeiro militar, mas, acima de tudo, com o seu acrisolado amor a tudo quanto seja "Academia" como se dela ainda faça parte, me ajudou a resolver o ponto mais difícil da questão, que nem por um segundo só, quis deixar arrefecer de novo. A este conjunto de circunstâncias se fica a dever o dia hoje.


***

Quando os homens passam à História, deixam de pertencer à Família, legando esse direito à sociedade que os imortaliza. Hilário passou à História, imortalizado pela "Velha Academia" de Coimbra, que fez estender o seu nome de geração em geração. A guitarra pertencia-lhe, de direito.

Essa Academia, irreverente por vezes, mas sempre consciente e briosa e que constantemente dá o seu valioso contributo para o engrandecimento de Portugal foi de longada até Viseu, em 6 de Maio de 1964, prestar homenagem ao seu colega de ontem.
Hilário faz-se hoje representar para agradecer e retribuir a visita que lhe foi feita, oferecendo-lhe, como lembrança, a sua última guitarra.

Conservada no Museu Académico da sua amada Coimbra, marcará, para sempre, uma presença amiga a dizer aos presentes e aos vindouros que, embora não seja uma condição,

" ......................
Ninguém mais será formado
Se a Velha Academia
Deixar de cantar o fado"


Augusto Hilário, fadista (1/4)

AUGUSTO HILÁRIO - Estudante Fadista
Por João Inês Vaz e Júlio Cruz

in "Hilário - fadista de Coimbra, Viseense de Coração", edição de "AVIS - Associação para o debate de ideias e concretizações culturais de Viseu", 1996


Augusto Hilário da Costa Alves, nasceu em Viseu em Janeiro de 1864 na Rua Nova. A data do seu nascimento é ainda uma incógnita, porquanto o registo de baptismo refere que foi "exposto na roda desta dita cidade pelas cinco horas da manhã do dia sete do dito mês e ano", sendo baptizado, a 15 do mesmo mês e ano pelo pároco da Sé, com o nome de Lázaro Augusto, tendo como padrinhos João da Costa, sacristão do Sacramento e Maria Alexandrina. Ao receber o crisma em 26 de Maio de 1877, muda o nome para Augusto Hilário.

As dúvidas que se poderiam levantar em relação à sua filiação ficam desfeitas em face da certidão de óbito que refere Augusto Hilário como filho legítimo de António da Costa Alves e de Ana de Jesus Mouta. Crê-se assim, que Hilário terá sido fruto de um enlace pré-matrimonial sendo por isso exposto na Roda e posteriormente reconhecido.

Seu pai possuia um Botequim anexo à casa que habitava na Rua Nova, onde provavelmente Hilário passou a sua infância, quiçá começando ali a nascer a sua inspiração para o fado.


António da Costa Alves e Ana de Jesus Mota, os pais de Hilário

Frequentou o Liceu de Viseu com o intuito de fazer os estudos preparatórios para a admissão à Faculdade de Filosofia, mas os anos foram passando sem que concluisse a disciplina de Filosofia.

Matriculou-se em Coimbra, mas também aí os resultados não foram famosos e revela-se então um apaixonado pela boémia coimbrã, notabilizando-se como cantador de fado e exímio executante de guitarra. Os seus fados correram, o país de lés a lés, "arrancando lágrimas da voz e gemidos das cordas" ficando imortalizado o Fado Hilário.

Em 1889-90, foi examinado no Liceu de Coimbra pelos Drs. Manuel Celestino Emídio, Maximiano de Aragão e Clemente de Carvalho e tendo feito uma prova admirável foi aprovado com boa classificação. Matriculou-se então no 1º ano de Medicina, tendo assentado praça na Marinha Real para obviar à falta de recursos, recebendo assim um subsídio do Estado.

A sua actividade de fadista e trovador era conhecida pelo país inteiro, em particular na Academia Coimbrã onde era o "Rei da Alegria". O seu esmerado trato e a sua cordialidade faziam dele o grande animador dos serões académicos. Nos seus fados, interpretou poemas de Guerra Junqueiro, António Nobre, Fausto Guedes Teixeira, para além dos que ele próprio criou.

Parte alta da sua vida de fadista foi a participação na festa de homenagem ao grande poeta João de Deus que se realizou em Lisboa, no Teatro D. Maria II, a que se associou a Academia de Coimbra e onde participaram, entre outros, o Prof. Doutor Egas Moniz. No decorrer do espectáculo, após a sua intervenção e em plena apoteose do público presente, Hilário atirou para o meio da multidão a sua guitarra, da qual nunca mais nada se soube. O Ateneu Comercial de Lisboa a 2 de Junho de 1895, oferece-lhe aquela que foi a sua derradeira guitarra e que se encontra actualmente na posse do Museu Académico de Coimbra, por especial oferta da família.

Como poeta escreveu dezenas de quadras primorosas que se imortalizaram nos seus fados e das quais se destacam Fado Hilário (com 36 quadras); Novos Fados do Hilário, recolha de um conjunto apreciável de quadras; Carteira de um Boémio, conjunto de versos manuscritos de que se ignora o seu paradeiro.

A sua grande capacidade de improvisar fazia dele uma figura popular e sublime que entusiasmava quem o ouvia até ao delírio, tendo actuado em Viseu, Coimbra, Lisboa, Leiria, Espinho e Figueira da Foz, entre outros lugares.

Foi uma hora de luto nacional aquela que o ceifou à vida no dia 3 de Abril de 1896, pelas 21 horas, vitimado por uma "ictericia grave hypertermica". Morreu na sua casa da Rua Nova, contando 32 anos. Frequentava então o 3º ano da Escola Médica da Universidade de Coimbra e era aspirante da Escola Naval.

O seu funeral foi imponente, com uma aparatosa multidão que o quis acompanhar até à sua última morada no cemitério da cidade de Viseu, onde ficou sepultado em jazigo de família. No cortejo incorporou-se uma força do Regimento 14 de Infantaria, com a respectiva banda que lhe prestou as honras militares. Proferiram o discurso fúnebre os srs. Dr. Alberto Pádua, Alfredo Pires, Jerónimo Sampaio e Ricardo Gomes.

Em carta de condolências datada de 5 de Abril de 1896, remetida de Mangualde à mãe de Hilário pelos seus colegas e escrita pelo Dr. Valentim da Silva é feita a síntese do sentimento académico de então:

"Está de lucto a mocidade portugueza!"

Hilário ficou assim ad aetemum na memória de todos quantos por Coimbra passam, Viseu têm no coração e o fado amam.


Retrato a óleo, por Almeida e Silva, em 1896

segunda-feira, abril 25, 2005

Meda - Um Concelho com História

Desenhos de Jorge Braga da Costa

Desde o final do Século passado, que o Concelho de Meda possui a sua actual configuração geográfica e administrativa.

Os pelourinhos, ainda existentes, testemunham em várias localidades os foros de autonomia, que os povos detinham sobre o seu próprio destino.

Desde a reconquista Cristã até aos tempos de hoje, a obra dos homens, nesta região, é
bem patente.

Os castelos, as igrejas e solares são prova do valor do património construído e da obra que os nossos antepassados nos legaram.

Património cultural por vezes, tão abandonado e esquecido, por quem de direito.

Uma referência, breve, ao Vale do Côa, onde as gravuras correram mundo e despertaram o interesse da UNESCO. Pensamos que esta realidade deverá ser complementada com o estudo do passado histórico dos Concelhos, que integram o Vale do Côa. Só, assim, faz sentido estudar e divulgar o seu património histórico-cultural.

O Concelho de Meda e toda a região foi ao longo dos tempos muito apetecida, quer pelos povos invasores, quer pelos povos vizinhos, próximos da raia, conforme testemunham os diversos mecanismos de defesa existentes.

As gravuras agora dadas à estampa de Jorge Braga da Costa vêm reavivar toda a importância e grandiosidade do património histórico construído e contribuir para o estudo e divulgação do Concelho de Meda, na sua vertente cultural e histórica.

Contamos, pois, que este trabalho irá contribuir decisivamente para se atingirem os objectivos que propomos.

Meda, 31 de Março de 1999
O Presidente da Câmara Municipal de Meda
Dr. João Germano Mourato Leal Pinto


Pelourinho de Aveloso


Pelourinho de Casteição


Castelo de Longroiva


Solar das Casas Novas


Pelourinho e Torre do Relógio


Paços do Concelho


Castelo de Marialva


Ruínas do Castelo de Ranhados


Casa da Prova


Pelourinho de Ranhados


Igreja de S. Pedro, Marialva


Solar do Visconde da Coriscada

sexta-feira, abril 22, 2005

Dom Miguel da Silva: o "Cardeal de Viseu" (2/2)

O "CARDEAL DE VISEU"

por Mons. José de Castro
(Da Academia Portuguesa de História)

in "Beira Alta", vol. V, fascículo I, (1º trimestre), 1946

(continuação do último número)

Evidentissimo que contra o Cardeal de Viseu estiveram os representantes portugueses em Roma e os frades da confiança régia. Há pouca gente no mundo, disposta a ter consideração pelo sol poente: e há muita gente habilíssima em bater palmas à ferocidade alheia, sobretudo quando esta ferocidade desce de um trono, e o ruído das palmas não é sentido pela vítima, no momento impotente. Isto não é um belo negócio: mas é um negócio, e é o que lhes importa.

Deram-se episódios que são de todos os dias. Pessoas da comitiva e das relações do Cardeal não queriam abandoná-lo, mas não tinham coragem para incorrer no desagrado de El-Rei, e consultavam Cristóvão de Sousa sobre as normas a seguir. Para Lisboa intrigavam com o Cardeal de Viseu, e com o Cardeal de Viseu intrigavam com o Rei. Os que levam fel e trazem fel, os que passam a vida em viagens de ida e volta a embrulhar e complicar a humanidade, constituiam uma raça, capaz de resistir a todas as bombas atómicas. . .

Dom João III quiz que Dom Miguel fosse expulso de Roma e se lhe não desse cargo algum fora da capital do orbe católico. O Rei acusou-o de infiel a si e ao Papa, de feito com os judeus contra o suspirado Tribunal da Inquisição. E, para prova, inventaram-se cartas cifradas de Dom Miguel que foram mandadas a Roma e lidas pelo embaixador ao Papa que as ouviu ler, toscanejando e... dormindo, dcpois de, a respeito delas, ter escrito a El-Rei a 10 de Agosto de 1542.

Pergunta-se: Qual o resultado desta campanha difamatória? Que impressão fez em Paulo III esta intriga contra o Cardeal de Viseu? A impressão foi tão profunda que imediatamente o incumbiu de uma altíssima e importantíssima missão diplomática. Carlos V estava em guerra com Francisco I, Rei de França. Esta guerra era o grande obstáculo à realização do Concílio de Trento. Urgentíssima a paz entre os dois reis. E Paulo III valeu-se de dois cardeais de grande merecimento: o Cardeal Tiago Sadoleto que enviou a Paris negociar com o Rei de França, e o nosso Cardeal Dom Miguel da Silva que mandou a Balbastro, perto de Barcelona, a negociar com o Imperador Carlos V. Porque? Por ser o Cardeal Dom Miguel da Silva, «Homem louvadissimo pelo entendimento, pelas humanas letras e pelo seu trato fidalguissimo». Ele partiu de Roma, a 31 de Agosto de 1542, e chegou a Balbastro no dia 4 de Outubro.

O Cardeal Dom Miguel não só procurou estabelecer a paz entre o Imperador e o Rei de França, como foi incumbido de convidar todos os prelados espanhois a tomar parte no Concílio de Trento e de redigir a norma pela qual se deveria reger, o que realmente fez, segundo foi declarado pelo Cardeal Marcelo Cervini, um dos presidentes do Concílio e mais tarde pontífice sob o nome de Marcelo II.

Sendo da maior intimidade de Paulo III, não se ignorava em Roma ser ele conviva frequente nas refeições dos palácios apostólicos, o que naquele tempo significava uma honra excepcionalissima , e toda a Italia o viu sempre ao lado do Pontífice nas suas frequentes jornadas político-religiosas.

Dera-lhe o título cardinalício dos Santos XII Apóstolos a 6 de Fevereiro de 1542. Dali a pouco, a 5 de Fevereiro de 1543, transferiu-o para o título de Santa Praxedes, bem mais rendoso por sinal. A 1o de Junho do mesmo ano, nomeou-o administrador da rica diocese de Massa Maritima, na Toscana, de onde se extraem os mármores de Carrara e de onde, por sua causa, resignara o Cardeal Bernardino Maffei, com latos poderes no governo temporal, como se fora Legado “por causa dos seus grandes merecimentos e virtudes que o Altissimo tão largamente multiplicou na pessoa do Cardeal Dom Miguel da Silva”, como se lê na Bula de nomeação.

Dali a meio ano, de acordo com O Sacro Colégio, nomeou-o Legado das Marcas de Ancona, governador de Forli e Ascoli, uma província rica dos Estados Pontifícios, quase toda ela ao longo da costa azul do mar Adriático: um pequeno Rei e um pequeno Papa. Fez se esta nomeação a 9 de Janeiro de 1544, e, a 19 de Março de 1545, Paulo III nomeou-o Legado da província de Fermo, e, logo a seguir, Legado da maior província dos Estados Pontifícios, a província de Bolonha, a mais importante e a mais dificil, para a qual se exigia um grande tino, uma enorme cultura e especialmente uma enorme elegância social, pois não é de esquecer que Bolonha, na segunda renascença italiana, era sede respeitavel do humanismo, escola do direito romano, laico e juridico, a cidade por excelência das grandes famílias e dos grandes nomes que rivalizavam com as famílias e os nomes da cidade de Florença, a terra natal de Dante Alighieri.

Era uma grande receita que lhe deu para viver com o fausto da côrte romana e de maneira a poder legar à posteridade o magestoso palácio de São Calixto, junto da Basílica de Santa Maria de Trastevere onde hoje está instalada a Sagrada Congregação dos Seminários e das Universidades dos Estudos, construido no tempo em que lhe foi dado o título desta Basílica, o mais rendoso da cidade, a 11 de Dezembro de 1553, depois de ter sido titular de São Marcelo a 27 de Junho de 1552, e de São Pancrácio a 29 de Dezembro do mesmo ano.

Dotado pelo Santo Padre de rendas avultadas, não só construiu o palácio de São Calixto, como, em 1549, pôde comprar uma propriedade agrícola. à beira do rio Tibre, quasi dentro da cidade e com uma residência solene, própria a festas nas quadras primaveril e outoniça que pertencia à ilustre e rica familia Cesi, e junta de outra de Agostinho Chigi, da mais alta categoria romana, pois são de recordar os jantares em baixelas de ouro macisso que se lançavam logo ao rio pelos convivas, como era do protocolo, ignorantes de que no fundo do rio, já de si de aguas amarelas, existia uma rêde para guardar a baixela que, em ocasião noturna, era arrecadada, para servir como nova noutro banquete.

Esta propriedade agrícola, vinha como então se chamava, passou, depois da morte do Cardeal Dom Miguel, a ser do seu grande amigo e colega na diplomacia no tempo de Leão X, o Cardeal Pio di Carpi, como o palácio de São Calixto passou a ser residência dos monges beneditinos, filhos daquela congregação cassinense, aqueles beneméritos frades que ensinaram Portugal a ler.

Apesar destas prebendas e das manifestações de incontestavel riqueza, os diplomatas acreditados em Roma, com acentuado desejo de agradar a El-Rei, diziam para Lisboa que o Cardeal Dom Miguel estava desfavorecido do Pontífice e vivia mergulhado em dificuldades financeiras, ao mesmo tempo que El-Rei escrevia ao embaixador Baltazar de Faria cartas pejadas de ódio ao nosso Cardeal. Nesta altura, a 24 de Março de 1543, era já um odio com cinco anos de idade, portanto um ódio anormal, ou talvez fosse um ódio de natureza diplomática.

Uma explicação: Dom João III, neste episódio de Dom Miguel da Silva, encontrou um grande capital de queixa do qual entendeu tirar juros astronómicos em proveito da vesguissima má vontade contra os cristãos-novos, para os quais pretendia um Tribunal com poderes totalitários, como se diria hoje, e a favor das pretensões aos dinheiros das propriedades eclesiásticas, arrecadados, por esta ou aquela maneira, para este ou para aquele fim, pois que as receitas do erário público não eram de molde a satisfazer as necessidades da nação quer na sua vida interna, quer nas expedições em proveito do nosso domínio colonial ou daquelas que, por amor da fé e contra os infieis, a honra do país exigia avultados sacrificios de vidas e fazendas. Por outro lado, o Santo Padre Paulo III, no meio das hesitações dos Príncipes, a subordinar os interesses gerais do Concílio de Trento aos seus interesses nacionais, tinha necessidade de ser condescendente, tanto quanto e com as possíveis reservas do momento, com Dom João III que, desde a primeira hora e sempre, se mostram, se bem que mais com palavras do que com factos, o príncipe incondicional da vontade pontifícia a respeito do Concílio Ecuménico, Universal.

Só por um grande interesse de ordem politica e diplomática, é que se pode explicar este ódio que parece diferente de todos os ódios, pois em vez de emagrecer com o tempo, ganha com o tempo maior estatura. E os diplomatas portugueses procuram açular este ódio, dizendo coisas terríveis a respeito do seu prestígio sempre diminuido junto do Papa ou da sua calamitosa situação financeira.

Alvejado o Cardeal Dom Miguel em todos os ofícios e benefícios portugueses pelo decreto de desnaturalização e confiscação de todos os bens, ficou impedido de governar, por si ou por outrem, o bispado de Viseu. El-Rei quiz que resignasse a diocese e quiz que fosse preconizado outro, mas nomeado por ele.

Como se resolveu esta questão melindrosa e complicada que brigava com o capricho real ou criava sérias dificuldades à doutrina das liberdades eclesiásticas? Como se desatou este grande problema em que até entrou em cena a prestigiosa intervenção de Santo Inácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus? Dom João não quiz revogar o decreto contra Dom Miguel, e Paulo III não queria ofensa ao prestígio episcopal. Depois de muitas negociações, chegou-se a esta solução; o Cardeal Dom Miguel resignou no seu querido amigo Cardeal Alexandre Farnese, secretário d'Estado de Paulo III, sendo nomeado administrador e comendador perpétuo da diocese de Viseu e dos benefícios de Dom Miguel em Portugal, destinando as rendas, se bem que a ocultas, ao seu antigo bispo.

Dom João III cantou vitória? Não pode parecer a ninguem grande honra conceder um bispado a um bispo estrangeiro. Vitória para Paulo III? Não parece a ninguem grande honra a de ceder ao Rei na resignação de Dom Miguel. Só ha uma pessoa a cantar vitória: é o Cardeal Dom Miguel da Silva. Ele, antes, agora e depois, gosa o proveito e a honra de ser uma vítima; e estou certo de que esta qualidade de vítima muito concorreria para que, mais e melhor, lhe aproveitassem as suas eminentes qualidadcs nas altíssimas funções que houve de desempenhar.

Morre Paulo III a 10 de Novembro de 1549.

Dom João III pensou logo na candidatura do Cardeal Dom Henrique para o sólio pontifício e interessou nesta eleição o embaixador Baltazar de Faria junto dos Cardeais da Cúria, o embaixador Lourenço Pires de Távora para influir junto do Imperador Carlos V, e o embaixador Braz de Alvide para agir junto do Rei de França.

Com esta tríplice intervenção El-Rei sonhou com o triregno para o irmão, o Cardeal Dom Henrique. E, se em Balbastro e Paris, se pensou numa hora de cortezia ao Rei de Portugal, em Roma ninguem tomou a sério a candidatura do Cardeal de Lisboa, embora fosse considerado papavel o nosso Cardeal Silva. O proprio Pasquino não deixou de o tocar com uma gargalhada inofensiva, como era da praxe aos cardeais de prestígio, nas véspera de Conclave.

Non fate Papa il Cardinale Viseo
Il quale il piú che fasse pedante:
Ognum si faria dar nel Culiseo.


No conclave coube-lhe a cela nº 47, perto da capela sixtina, e o trono era o penúltimo do lado da Epístola. Levou como conclavistas dois portugueses de Viseu, os padres Manuel Correia e Aleixo de Sousa, dois soldados desconhecidos da amizade, dois voluntários do sacrifício que não tiveram medo do decreto de desnaturalização de Dom João III.

Enquanto que o Cardeal Dom Henrique teve o máximo, por cortezia, de 15 votos no dia 13 de Dezembro de 1549, o Cardeal Dom Miguel teve sempre votos para Papa em quasi todos os escrutinios, chegando uma vez a ser votado por 13 cardeais. Se tivera protecção oficial, teria subido, sem duvida, ao sólio pontifício.

Foi eleito o Cardeal João Maria del Monte, que tomou o nome de Julio III, também muito da intimidade do nosso Cardeal que frequentemente o acompanhava nas refeições nos palácios apostólicos, sobretudo e sempre nos dias em que o Papa tomava parte nas festas públicas, celebrando ou assistindo aos pontificais na Basílica de São Pedro.

Era então embaixador de Portugal Dom Afonso de Lencastre que, nas régias instruções, levou encomendado o ódio de Dom João III contra o nosso Cardeal.

Mas uma vez, a 22 de Fevereiro de 1553, nas festas do terceiro aniversário da coroação de Julio III, houve jantar de gala no palácio do Vaticano. Antes houve missa na capela Sixtina. Julio III apareceu de pluvial vermelho, debaixo do pálio' rubro com brocados de ouro, levando na cabeça a tiara preciosíssima onde as gemas e os diamantes raros fisgavam luz pela meiga e doce penumbra onde melhor se relevam as figuras impressionantes do genio de Miguel Angelo no fresco imenso do Juizo Final, diante dos cardeais escarlates de púrpura e alvíssimos de arminhos, dos embaixadores dos príncipes, ricos e coloridos nos seus vestidos de seda e ouro, da sua côrte civil, eclesiástica e militar, a mais hierática e deslumbrante do mundo, e das maiores figuras do patriciado romano onde se registam os maiores condutores da história, e os brazões cardinalícios e papais se misturam com outros de príncipes, marqueses e barões.

Depois da missa o almoço. De um lado, numa mesa solitária e mais alta, o Papa Julio III. Em frente, em mesa comprida e só de um lado, os cardiais e embaixadores. Entre eles o Cardeal Dom Miguel da Silva e o sobrinho de El-Rei, o embaixador Afonso de Lencastre. Dom Miguel, bastante velhinho, mais pequeno pela carga dos anos, de olhos azuis sempre vivíssimos, servidos pelo sorriso mágico que herdara da sua ilustrissima estirpe e da sua larga convivência na Italia.

De certo que os dois portugueses se olharam com simpatia, e talvez a escondessem, por consideração a El-Rei, na máscara de uma fina e gelada cerimónia. Para o Cardeal, aquele diplomata, fossem quais fossem as queixas do seu coração por quem lhe lançara um labeu de infâmia, representava a sua terra com o seu sol divino, com a paisagem de paraiso, aquele glorioso fio da história que o nome da sua família e da sua raça tisnara de vermelho; e, para o diplomata, aquele Cardeal era, apesar do mal rançoso e incompreensivel num homem e num cristão, o amigo íntimo de quatro Papas, o português que fora da sua terra subira mais alto, o Legado de Carlos V, o Senhor de Bolonha e das Marcas, o companheiro de Paulo III nas jornadas italianas, o expoente mais alto da cultura humanística do seu tempo, o centro incontestavel e incontestado dos intelectuais romanos, a pessoa prestigiosa que substituira o Rei de França na homenagem que o Conde de Castiglione lhe prestou com a oferta do «Il Corteggiano».

Estavam ali os dois. Dali a meses, o embaixador Afonso de Lencastre reforçou, junto de Dom João III, o pedido que o Papa Julio III fez, a 22 de Agosto de 1553, de se reconciliar com Dom Miguel, baseado em que Dom Miguel estava nos últimos anos da sua vida. Tinha o nosso Cardeal 73 anos. A idade, os desgostos, o reumatismo gôtoso e sobretudo a dôr de não poder sonhar com o eventual regresso à Pátria que na doença e na velhice, se aferra mais ao coração, deviam acabrunhar-lhe o espírito de seu natural limpidissimo. Velho e aleijado. Se ia a um consistório, não ia a vinte. A' capela sixtina ia duas vezes no ano e sempre amparado. Causava dó o Cardeal. E novamente, a 7 de Setembro seguinte, intercedeu outra vez junto do Rei, dizendo que "embicava muitas vezes e se cuidava que não viveria muito".

Que fez Dom João III diante do interesse duplo do Soberano Pontífice e do Embaixador? Que fez o Rei de Portugal diante de um homem velho, estropiado pelo reumatismo, corcovado pelos anos e pela doença? Que fez Dom João, mesmo admitindo que teve todas as razões e Dom Miguel todas as culpas? Abriu os braços à reconciliação, inspirado pela sua fé cristianissima? Deixou cair dos labios a palavra Paz, o supremo voto que a todos os mortos deseja um cristão ? Permitiu que sete meses passassem sobre o Breve pontifício para dizer que se não lembrava mais de Dom Miguel e que de Dom Miguel lhe não falassem mais.

Se me dizem que Dom João III foi uma pessoa séria, cristã e humana nesta antipática questão do Cardeal de Viseu, eu, pelo menos, declaro que o soberano português tinha ideias erradas do que é seriedade, cristianismo e humanidade. Mas se me dizem que ele foi habil e político e quiçá diplomático na exploração deste material de queixa, eu, repudiando esta habilidade, esta política e esta diplomacia, não digo que não, e confesso que sim, embora sem os entusiasmos de um convicto partidário de Maquiavel.

Não se distanciaram muito na morte Julio III e o Cardeal Dom Miguel. Morreu o Papa a 23 de Março de 1555 de um ataque de febre, e Dom Miguel ainda pôde participar na eleição de dois Papas: Marcelo III e Paulo IV. No dia 5 de Abril os cardiais entraram em conclave: e nele o nosso Dom Miguel com o título de Santa Maria de Trastevere, e no dia 9 foi eleito pontífice o Cardeal Marcelo Cervini com o nome de Marcelo II.

Mas Marcelo II morreu dali a 18 dias, a 27 de Abril de 1555.

Depois outro conclave que se iniciou no dia 15 de Maio. O Cardeal Dom Miguel era então o decano do Sacro Colégio, portanto o chefe da Igreja Católica, sede vacante, até à eleição do Sumo Pontífice que foi no dia 23 de Maio, sendo eleito o Cardeal João Pedro Caraffa que tomou o nome de Paulo IV.

A 12 de Outubro de 1555, o embaixador Dom Afonso de Lencastre escreveu a El-Rei: «Disseram-me que Dom Miguel está muito mal». Foi uma vida que, a pouco e pouco, se foi despegando da terra, uma luz em bruxoleios contínuos até que de todo se apagou no dia 5 de Junho de 1556, com 76 anos de idade. Morreu no palácio de São Calixto, pegado à Basílica do que ora titular e que edificou para estar mais perto de Nossa Senhora, e ao qual deu, pelo lapis de Luiz Cardi, uma fachada bela e severa, aquele estilo nu e grandioso chamado jesuítico. E o seu cadáver, aljotrado pelas lágrimas de alguns criados portugueses e de dois capelães também portugueses. os padres Manuel Correia e Aleixo de Sousa, foi repousar numa sepultura aberta na Basílica vizinha.

Longe da Pátria, proscrito e desnaturalizado pela crueldade de um decreto real, desterrado da terra que sempre teve no coração. a boa e santa e encantadora dedicação dos Zés-Ninguens das nossas aldeias e daqueles dois padres da diocese de Viseu, dar-lhe-iam a ilusão de que morria onde morava o seu espírito porque eram portuguesas as mãos que lhe ageitavam o leito, bem portuguesa, a luz daquelas lágrimas vertidas na agonia, e bem portuguesas também as orações desfolhadas sobre o seu cadáver.

Quantas vezes não entrei eu na Basílica de Santa Maria de Trastevere? Que fôra lá sepultado, garantiam-mo os historiadores e os cerimoniários pontifícios, lidos e relidos por mim pacientemente, vagarosamente. Eu pretendia descobrir a sepultura do nosso Cardeal. E por mais que indagasse, ao longo das naves e por dentro das capelas, o desapontamento era o prémio de tão cuidadosa investigação.

Mas num livro de heráldica tinha visto que o brazão dos Silvas era um leão de pé, empunhando um machado. Novas pesquizas sucedidas de novos desapontamentos. A sepultura tinha desaparecido, cuidava eu. Mas numa tarde, a chuva, impertinente e continuada, obrigou-me a entrar e demorar no pórtico da Basílica, forrado de lápides, coladas às paredes, lições e documentos de valor arqueológico. Um raio de sol, coado pela chuva, foi cair numa lápide de mármore branco que tem impertigado o leão heráldico dos Silvas, tendo na base tres letras maiusculas: M. C. S. Miguel, Cardeal Silva. Estava, e está no pórtico da Basílica, ao lado esquerdo, a sepultura do nosso imortal patrício, talvez o Bispo de Viseu mais ilustre de todos os seculos. Só tres iniciais? Só uma inicial tem Napoleão Bonapartc no seu túmulo dos Inválidos em Paris. Os grandes homens não necessitam de grandes letreiros, e os grandes prestígios não precisam da prosa derramada e sentimental dos epitáfios.

E quantas vezes não entrei também no palácio de São Calixto? E confesso que, ao subir-lhe, as escadas altas e ao percorrer-lhe salas em séries, como no Congresso Jurídico Internacional a celebrar o 7.° centenário das Decretais de Gregorio IX, sentia que tudo aquilo tinha voz, que aquelas pedras me tratavam como a patricio, que tudo aquilo era da minha casa, tudo era da minha família. Ao passo que todos viviam os minutos do presente, o meu espírito passeava pelo ano de 1556 e parecia-me viver as horas vividas por aquele grande português que nem liberdade teve em Roma para deixar a Santo Antonio dos Portugueses os seus haveres e os seus livros.

Abençoadas pedras de São Calixto! Como eu as via, as ouvia e as compreendia! À luz de ouro do céu romano, ao som do repuxo da água a cantar na taça larga, e sobre quatro séculos de história, parecia que surgia a meus olhos a sombra do Cardeal Dom Miguel da Silva que em Roma se enfiou pela imortalidade a dentro para nunca mais sair, e imaginava a dôr da boa e pobre gente portuguesa ao ver-se fora daquele palácio, testemunha de tanta dôr em conta-gotas de saudade. E depois, vendo, do outro lado do Tibre, o palácio maravilhoso da casa Farnese, um dos mais apreciados palácios romanos, apenas inferior aos da Chancelaria e do principe Porlonia, onde se instalou a embaixada francesa junto do Quirinal, sentia-me consolado; eu recordava que os livros do Cardeal Dom Miguel foram deixados ao Cardeal Alexandre Farnese que tinha como seu bibliotecàrio outro eborense como ele, ilustríssimo e de fama imorredoura, o cónego da Catedral de Evora, o sempre grande Aquiles Estácio.

Se ao Cardeal Dom Miguel da Silva se negou em Roma a admiração dos literatos e dos estudiosos, temos de confessar que, em Portugal, a justiça da história chegou muito
tarde; onze anos antes de cumprir o quarto centenário da sua morte. Os cronistas régios eram turíbulos permanentemente acesos para enrolar nas espirais dos elogios os nossos reis. Não tinham a seu cargo a coragem de dizer a verdade nua e crua que, por ser nua, nem sempre é agradavel, e, por ser crua, é dificil de ser mastigada e engulida. Alem disso Dom Miguel da Silva, se bem que Cardeal, era um padre que não podia interessar muito aos historiadores de pensamento contrário, tivessem sido eles liberais ou republicanos, embora o grande Alexandre Herculano lhe tivesse consagrado palavras de indiscutivel simpatia. Vieram depois, os chamados revisores da história. E, para estes, o Cardeal Dom Miguel não passou de um ambicioso, desleal e rebelde às ordens e desejos de um Rei.

Mas a verdade é que todos estes historiadores, azuis, vermelhos ou brancos, não tiveram à mão os materiais para um trabalho de reconstituição histórica, o que em muito os desculpa.

Eles não tiveram, como eu, a oportunidade de procurar e encontrar os materiais inéditos que se acham disseminados no livro «Portugal no Concilio de Trento; e com eles fiz esta modesta conferência que me parece ter envol vido em luzes novas, certas e justas, o Cardeal de Viseu. Os Arquivos do Vaticano são, pois, os beneméritos deste trabalho de reivindicação que se me afigura próprio a provocar, nesta hora de ressurgimento bairrista, uma duradoura manifestação de apreço.
Infelizmente não sou viseense, e sou um pobre de Cristo, duas qualidades, ambas negativas que se não ageitam à realização de uma ideia se bem que bela e adquada. Elas permitem-me apenas a liberdade de sonhar. Com que?

Principiam agora as comemorações do quarto centenário do Concílio de Trento. Cometeria a Câmara Municipal de Viseu um pecado se désse a uma praça ou a uma rua o nome do seu bispo Cardeal Dom Miguel da Silva, que por amor ao Concílio, foi Legado de Paulo III ao Imperador Carlos V? A 5 de Junho de 1956, daqui a onze anos, celebrar-se-á o quarto centenário da morte do grande Cardeal. Será feio e sem propósito que o patriotismo viseense lhe inaugure uma estátua como a deu a Dom Antonio Alves Martins, esse grande bispo, caluniado por amigos e inimigos, cuja memória está a reclamar um processo de revisão histórica?

Eu que tenho pelo Cardeal de Viseu uma amizade quase pessoal, talvez pelo muito trabalho que me deu, limito-me a dizer esta coisa quase digna de Mr. de la Palisse: Viseu entrou na imortalidade romana ligado à pessoa do Cardeal Silva, e o Cardeal Silva entrou na história com o nome de Cardeal de Viseu.

quarta-feira, abril 20, 2005

Dom Miguel da Silva: o "Cardeal de Viseu" (1/2)

O "CARDEAL DE VISEU"

por Mons. José de Castro
(Da Academia Portuguesa de História)

in "Beira Alta", vol. IV, fascículo IV, (4º trimestre), 1945

Iniciaram-se, no dia 13 do corrente, em todo o mundo católico, as festas do 4º Centenário do Concílio de Trento que infelizmente não terão o brilho projectado pelo actual Pontífice Pio XII, devido às preocupantes circunstâncias do momento. E eu que há muito tempo quero bem à gente desta diocese, e por isso mesmo à diocese desta gente, gosto de ter a honra e o prazer de vir aqui discorrer àcerca de uma personagem de relêvo máximo na vasta e nobre galeria dos bispos desta histórica cidade, conhecido nos fastos pontifícios e romanos pelo nome de «Cardeal de Viseu».

Não se trata, evidentemente, do Cardeal Gil que de cónego da catedral subiu à púrpura do Sacro Colégio, nem muito menos do infeliz Dom Luiz do Amaral, cardeal do anti-papa Felix V, deposto da igreja de Viseu pelo grande pontífice Eugénio IV, aos quais muito se referiu António de Macedo na "Lusitania infulata purpurata". O Cardeal de Viseu, por antonomásia, é o bispo Dom Miguel da Silva, eleito a 25 de Novembro de 1526, pelo Papa Clemente VII, após a morte de Dom Frei João Chares. É aquele grande perseguido de El-Rei D. João III, a maior figura que tivemos lá fóra no século XVI, e sem dúvida a maior que em todos os tempos tivemos, exceptuando, já se vê, o nosso pontífice João XXI, na capital do mundo católico. Perseguido só por EL Rei? Também diminuido e caluniado pelos cronistas e historiadores. E fui eu, com grande satisfação o digo, que o arranquei ao pó dos Arquivos do Vaticano, ressuscitandn-o tal qual foi: o príncipe dos humanistas do tempo, o conquistador da intimidade de cinco Papas, o Bispo de Viseu julgado digno de se assentar no sólio pontifício.

O Cardeal de Viseu nasceu, em 1480, na cidade de Éver (Évora), filho de D. Diogo da Silva e Menezes, aio de D. Manuel quando duque de Beja, e era sobrinho carnal de dois santos: o Beato Amadeu (no século João da Silva) fundador de um ramo da Ordem Franciscana, e a Beata Beatriz da Silva, fundadora das Irmãs Concepcionistas, a primeira congregação religiosa, instituída para celebrar o privilégio da lmaculada Conceição de Nossa Senhora.

Paris, Siena e Bolonha foram as Universidades deslumbradas pelo talento de Dom Miguel, onde foi o primeiro entre os primeiros e onde pôde atar amizades com os futuros cardeais Paulo Jovio, Pedro Bembo e Tiago Sadoleto, sendo um príncipe entre os literatos, poetas e artistas como Beroaldo Junior, Guerino Veronesi, Parrhasio Consentini e Nicolau Perotti.

Graduado e laureado, regressou a Portugal. E Dom Manuel, em 1513, achou bem nomeá-lo embaixador junto de Leão X para, em seu nome, assistir ao Concílio Lateranense. principiado por Júlio II, em 1512, e concluído em 1517, sendo desta maneira o segundo embaixador com caracter permanente, depois do Dr. João de Faria, companheiro de Tristão da Cunha na embaixada do elefante ao Papa Leão X.

Partiu para Roma em 1513, assinou as actas das sessões do Concílio de 19 de Dezembro de 1516 e de 16 de Maio de 1517; e tanta impressão causou logo na côrte pontifícia que o Papa, a 27 de Fevereiro de 1515, se congratulou com Dom Manuel por lhe ter enviado um "embaixador optimo, cheio de bondade, de prudencia e inteligencia", êle quo fôra encarre gado de pedir o estabelecimento da Inquisição nas mesmas condições em que fora concedido à Espanha.

Em Roma, na esquina do palácio Fiano, habitado por Dom Pedro Melo Breiner em 1819, e pelo Conselheiro Miguel Martins Dantas desde 1896 a 1910, existe uma lápide a recordar o Arco di Portugallo que ligava as duas partes do palácio do em aixador Dom Miguel da Silva. Arco e palácio derrubados quando houve de se alargar a actual Rua de Humberto I.

Dom Miguel da Silva que era de "excelente índole e de sublime engenho", segundo Manuel Caetano de Sousa, que fôra "um dos homens mais sábios e eruditos do seu tempo", no dizer de Fonseca, que era "tão erudito nas humanidades como douto nas elegancias da latinidade, insigne na poesia, celebérrimo na matemática e versado em linguas e ciências" no conceito de Cardoso, teve a honra de vêr, com insistencia nos salões da embaixada, os grandes nomes da renascença italiana, de ser cortejado pelo Cardeal Medici de Florença, filho de Lourenço o Magnífico, de Piccolomini de Siena, dos príncipes Colona e Orsini, dos Cardeais Coltona, Petrucci, Agostinho Trivulzi, Santa Cruz e del Monte.

Ao génio de Tiziano, seu amigo de coração, ofereceu versos que tinham a magestade de Virgílio e a agudeza de Marcial; e ao Cardeal Farnesi, mais tarde Papa Paulo III, compoz um epigrama de tal merecimento literário que o Senado Romano o mandou gravar no mármore do salão nobre do Capitólio e que, ainda hoje, reclama os aplausos dos maiores e mais exigentes latinistas do mundo. Não há outros versos latinos no Capitólio. Epigrama e nome de Dom Miguel da Silva lá estao a chamar a atenção dos visitantes de todo o universo.

No palácio do Arco di Portogallo viviam como em sua casa o poeta florentino João Rucellai, o poeta romano Marcantonio Flamino, o grande humanista Giano Parrhasio, o poeta bucólico Guido Postumo Silvestri, o publicista Scipião Ammirate e o talento omnímodo de Leonardo de Vinci que lhe cedeu o seu bôbo de côrte, Tomás Masini de Peretola; e palpitava a admiração entusiasta de Alberto Pio di Carpi embaixador do Imperador, e do Conde Baltazar de Castiglione, embaixador do Marquês de Mantua, os dois nomes mais representativos da côrte de Leão X. Também entravam no palácio de Dom Miguel da Silva, com o á-vontade que dá a intmidade, o enorme Rafael Sanzio e o dificilmcnte acessível Miguel Angelo Buonarrotti.

Foi o Conde de Castiglione que ofereceu a Dom Miguel da Silva o seu "Il Corteggiano" que, na literatura portuguesa, corresponde à "Côrte na Aldeia", de Francisco Rodrigues Lobo, e que é, sem favor, a obra mais notável de Quinhentos, já pelo seu valor histórico e literário, já porque representa a vida e a cultura daquela sociedade palaciana. Este livro é o livro mais precioso do século XVI, o livro genial que todos os italianos, afeiçoados às boas letras, idolatravam, ao mesmo tempo que conhecem de nome o nosso imortal o imortalizado patrício, ao verem-lhe a simplicissima dedicatória

A Reverendo ed illustre Signor Don Michel da Silva vescovo de Viseo

completamente desguarnecido de adjectivos por serem desnecessários a quem era conhecido pela eminência rara das suas qualidades.

Dom Miguel da Silva era um rei na vida romana, e tanto que o Papa Leão X, com aplauso unânime do Sacro Colégio, e decerto de todo o Corpo diplomático que assim veria um embaixador enrolado na púrpura cardilalícia, quiz fazê-lo Cardeal no consistório de 1516. Mas Dom Miguel não aceitou por entender qne a púrpura deveria enfeitar, como enfeitou, um Infante da Casa de Portugal, o Infante Dom Afonso.

A Leão X sucedeu Adriano VI. E a Adriano VI sucedeu Clemente VII, o Cardeal Julio Medici, coroado a 6G de Novembro de 1523. Era amigo particularissimo do nosso Dom Miguel da Silva. Tão particular que, para lhe presenciar a eleição e adoração dos cardeais, o fez introduzir no conclave por um postigo; e tão dedicado que logo, a 2 de Dezembro imediato, escreveu a El-Rei Dom João III a informar dos grandes serviços e favores prestados por Dom Miguel. Ficou o Papa certo de que a sua amizade, assim manifestada, garantiria em Roma o embaixador português, dando-lhe logo para morada, em Fevereiro de 1524, o palácio de Campo di Marzio, destinado a João de Medici, o que deu à opinião pública a certeza de ser considerado Dom Miguel pessoa de família do Sumo Pontífice.

Dom João III tinha em seu poder uma carta de Dom Miguel da Silva, escrita a 25 de Maio de l523, no pontificado de Adriano VI, pedindo-lhe para recolher ao reino depois de uma estadia de 10 anos; e desconfiado, Dom João, de que esta amizade pontifícia levaria Dom Miguel à púrpura cardinalícia, ordenou-lhe o regresso ao reino, a cuja ordem Dom Miguel respondeu, a 8 de Julho de 1525, a dizer que partiria se bem que com grande perda da sua fazenda e desarranjo da sua casa.

O desgosto de Clemente VII foi imenso. Vêem-se lágrimas na correspondência do Pontífice para D. João III àcerca de Dom Miguel. Em Breves sucessivos que começaram a 7 de Julho de 1525, a nota dominante é o desgosto do vêr sair Dom Miguel, o amigo predilecto de Leão X, o embaixador dedicado a El-Rei que, por amor dêle, recusara a púrpura cardinalícia, êle que era “digno de se assentar na cadeira de São Pedro”. E já que o não deixava ficar, pedia-lhe, para bem da Igreja e da Pátria, que, ao menos em Portugal, lhe fossem dadas as honras que merecia, a mais alta dignidade junto de sua pessoa, o cargo do escrivão de puridade, equivalente hoje a ministro do Interior, lugar herdado de seu pai e conquistado por êle nos campos da batalha.

Dom João III ensurdeceu aos rogos pontifícios, e Dom Miguel houve de deixar pesaroso Roma, a cidade na qual tinha sido o centro e o astro de primeira grandeza da côrte papalina, e, debulhado em lágrimas, diz adeus ao seu grande amigo Clemente VII que jamais o esquecerá.

Em Lisboa Dom Miguel foi nomeado comendador e prior perpétuo do mosteiro de Landim dos cónegos regrantes, abade de Santo Tirso em Riba de Ave, e escrivão de puridade, cargo que desempenhara seu pai, e depois seu cunhado o 1º Conde de Linhares, e mais tarde bispo de Viseu, sucedendo a Dom Frei João Chaves. Em Viseu celebrou Sínodo Diocesano, deu, a 16 de Outubro de 1527, Constituições, instituiu o arciprestado da catedral, mandou construir o claustro da Sé, mandou fazer as cadeiras do côro superior, e ampliou o ornou a quinta da Mitra, chamada de Fontelo.

Mas a vida em Lisboa deveria constituir para êle um enorme desapontamento. Para êle e para os outros. A vida da capital portuguesa, em todos os aspectos - religioso, social, literário, artístico e até político - para êle, com uma formidável bagagem de cultura altissima e de refinadissima civilização, deveria ser uma autêntica pelintrice. Os seus homens, com as suas miudezas, as suas chinezices, os seus ódios grandes e interesses mesquinhos e invejas maiores, eram totalmente bem diferentes de todos aqueles astros que brilhavam nas salas dos palácios de São Marcos e do Vaticano, cheios de grandes ideias, providos de máxima elegância e de máxima generosidade que, por terem vivido naquele quarto de século, ficaram definitivamente com o nome gravado na história do humanismo. Não podia encontrar, em Lisboa, com tôdas as naus da India e carregações do Brasil, com tôda a pimenta e especiarias orientais, o seu clima próprio, enfim o seu paraíso onde, mais e melhor, se sentissem á-vontade as suas primorosas qualidades de diplomata e requintado artista. Por outro lado, os homens de Lisboa haveriam de considerá-lo um ser suspeito, um homem do outro mundo, apto a ser incompreendido, e por isso alvo de todas essas coisas de que Portugal é abundante e fértil quando se trata de um homem acima do estalão geral ou de um homem que, por isto ou por aquilo, pode magoar e ferir interesses remotos ou próximos. Ele inadaptavel ao meio; e o meio inadaptavel a ele.

Naturalissimo que o Bispo de Viseu, aborrecido com as intrigas da Côrte e com o desempenho do seu cargo de escrivão da puridade (mais de nome que de facto) exultasse com a hipótese de voltar a Roma, e rejubilasse com a carta saudosa de Clemente VII, escrita, na prisão do castelo de Sant'Angelo, consequencia dolorosa do inaudito e selvagem saque de Roma, feito pelos soldados de Carlos V, e datada a 12 de Julho de 1527, na qual se lê este periodo de amizade indefectivel: «Haja o que houver, Nós persistimos em querer-te bem, como sempre te quizemos».

Desde então reiniciou-se reciproca correspondência na qual se vê claramente uma ideia fixa: em Roma e para Roma, Dom Miguel da Silva.

Mas... o Pontífice Clemente VII morreu a 25 de Setembro de 1534.

Ao Papa Clemente VII sucedeu Paulo III, a 12 de Outubro do mesmo ano, o Cardeal Farnese que era compadre de Dom Miguel da Silva, pois que o nosso Dom Miguel era padrinho de um neto seu, ou o Cardeal Alexandre ou o Cardeal Guido Ascanio Sforza, porque o Papa Paulo III contraira matrimonio e enviuvara antes de ser eclesiastico. Vai ser o novo Pontífice que ha-de fazer Cardeal o nosso Dom Miguel da Silva, um prestígio que resistiu ao tempo e ao espaço, atravessou tres pontificados e aguentou-se firme, vigoroso e magnifico, não obstante a distancia respeitavel de Portugal e o movimento fulgurante e fascinante da côrte mais exigente da Europa - a côrte da renascença papalina.

O pretexto foi o Concilio que se pretendia realizar para valer às desgraças da reforma do protestantismo.

Dom Miguel, na qualidade de Bispo de Viseu, foi convidado para tomar parte no Concilio. Nem respondera ao convite, nem tinha aparecido. Paulo III, a 22 de Maio de 1538, mandou-lhe um Breve, cheio de indignação pela sua atitude inerte e ordenou-lhe que imediatamente se puzesse a caminho. Este Breve, escrito em Nice, foi em Portugal interpretado por pessoa de bons serviços prestados á historiografia, como a prova de que Dom Miguel em um réprobo para o Sumo Pontífice. E, no entanto, este Breve que dá a impressão de estar Paulo III irritadissimo e em absoluto desagrado com a pessoa do bispo de Viseu, era a santa irritação da amizade de quem não vê de perto quem se quer, ou melhor foi uma arma excelentissima, dada a Dom Miguel, para dela se servir junto de Dom João lII, um forte motivo para êle pleitear a saída do reino. Porque El-Rei não queria contactos directos e imediatos de Dom Miguel com a côrtc romana para o afastar do perigo do cardinalato, perigo de que se vira livre nos pontificados de Leão X e Clemente VII.

Com o Breve pontifício na mão, o bispo de Viseu pediu licença ao Rei que o aconselhou a fingir-se doente. Que não, resistiu o bispo. Iria. Era a sua obrigação.

O tempo passa. No Consistório de 19 de Dezembro de 1539, Paulo III, com o aplauso de todo o Sacro Colégio, criou-o Cardeal, mas in petto. Quer dizer: criou-o. mas não o publicou, à espera da oportunidade. Não será ousadia presumir que o Sumo Pontífice lhe fizesse saber que já era Cardeal porque Dom Miguel declarou a El-Rei a obrigação de consciencia de ir na qualidade de bispo a tomar parte no Concilio Ecuménico e Universal.

Diante da insistencia de Dom Miguel, Dom João III ordenou que o prendessem e o encerrassem numa fortaleza. Mas não chegou a tempo. Dom Miguel fugiu de Viseu, a 22 de Julho de 1540, acompanhado de Antonio Godinho e do arcediago Manuel da Paz. E, chegado a Italia, o Sumo Pontífice, enquanto não vinha a oportunidade de o declarar membro do Sacro Colégio, deu-lhe a honra altissima de o nomear Legado junto da República de Veneza. Impossível a Paulo III dar ao seu velho amigo e compadre prova de maior apreço do que fazê-lo seu representante diplomático numa cidade e numa nação em pleno fastígio e em plena gloria, como era Veneza, senhora e dominadora. do Adriático e do Mediterraneo.

Não se contam aqui os processos de que Dom João III se valeu para fazer regressar a Portugal o bispo de Viseu. Ele são emissarios com cartas blandiciosas, êle são pessoas compradas para o prende r ou assassinar, êle são representantes diplomáticos que agem junto dos principes, êle é o embaixador Cristóvão de Souso que vai de Roma a Ferrara e a Veneza para o convencer ao regresso a Portugal, êle é o próprio Dom João III que escreve ao Papa sobre a saída de Dom Miguel da Silva.

A tudo e a todos Dom Miguel resistiu, ficando em Veneza durante o ano de 1541 ; a tudo e a todos resistiu o Santo Padre até que em 2 de Dezembro, o publicou Cardeal que havia reservado no último consistório, dando-lhe o chapeu cardinalicio no dia 23 de Janeiro de 1542, fechando-lhe a boca no dia 27, e dando-lhe,o titulo dos Santos XII Apóstolos no dia 6 de Fevereiro. É que o Papa “estava obstinado em o fazer Cardeal”, disse para Lisboa o Cardeal Santiquatro, protector da nação portuguesa. É que devia premiar “a singular prudência, doutrina, gravidade e peso dos anos” escreveu Paulo III ao Rei de Portugal. E que o Pontífice «devido à sua muito grande experiência de negócios, resolvera fazer o que os seus antecessores tinham pensado: criar e publicar Dom Miguel da Silva Cardeal da Santa Igreja Romana», elucidou o Cardeal Alexandre Farnese, Secretário de Estado, a Mons. Luiz Lippomano, Núncio Apostólico em Lisboa.

Muito grande sob todos os aspectos, deveria ter sido o grande Bispo de Viseu, para ser como foi, a grande preocupação de tres Papas que sucessivamente teimaram e porfiaram em fazer cardeal um homem que não contava com o aplauso da côrte de Lisboa, nem com a boa vontade de EI-Rei apesar de ser o colaborador de sempre na obra urgente do Concilio de Trento!

Logo que se fez a publicação do cardinalato de Dom Miguel, o embaixador Cristóvão de Sousa protestou junto do Pontífice e ameaçou-o de sair de Roma. Iguais protestos e ameaças fez El-Rei ao Papa e ao Cardeal Santiquatro. E ao mesmo tempo, a 23 de Janeiro de 1542, Dom João III publicou um decreto a desnaturalizá-lo, a despi-lo de todos os ofícios e benefícios, a privá-lo da liberdade de testar, a confiscar-lhe os haveres, a roubar-lhe o sagrado direito de se corresponder com a família e os portugueses, estendendo todas estas penas a todos os que o acompanhassem, lhe escrevessem e lhe mandassem dinheiro. A este decreto Dom Miguel da Silva respondeu desmentindo El-Rei dos motivos apresentados e protestando contra as régias sanções. É um documento admiravel que inseri no 1º volume do «Portugal no Concilio de Trento» que põe a limpo as intrigas da côrte lisboeta, a má fé dos áulicos de EI-Rei, o ciume e a inferioridade régia diante do prestígio incontestavel do novo Cardeal.

O decreto infeliz que faz lembrar o de Pombal contra os jesuitas, foi logo aplicado na pessoa de Dom Jorge da Silva sobrinho do Cardeal. Por ter tido relações epistolares com o tio, foi aprisionado na Torre de Belem de onde o tirou, em Outubro de 1543, a influencia de Dona Maria em vesperas de partir para Castela, sendo logo desterrado, primeiro para Mazagão e depois para Arzila.

(Conclue no próximo número)

segunda-feira, abril 18, 2005

VIRIATIS - vol. I, nº II, ano de 1957 (12/12)

NOTICIÁRIO

MOVIMENTO DE VISITANTES - 1957

No decurso do ano de 1957, o número de visitantes, do Museu de Grão Vasco, teve significante incremento. Entraram no Museu durante o ano 33.223 pessoas, em vez das 27.727 de 1956.



VISITAS DOMINICAIS ORIENTADAS

Por absoluta falta de tempo para se prepararem, interromperam-se estas visitas orientadas, que, com grande afluência de público, se realizaram semanalmente. Consequentemente por mingua de pessoal superior, não por diminuição de interesse da parte do público, não foi possível manter este serviço de extensão cultural. São, porém, tantos os pedidos que a Direcção do Museu de Grão Vasco vê-se obrigada a manter a série de visitas dominicais orientadas no próximo ano de 1958, iniciando-as após a quadra da Páscoa.

VISITAS ESCOLARES

Por carência de pessoal a quem fosse entregue este serviço, ao qual desejávamos imprimir uma grande continuidade, fomos forçados a interromper as visitas das Escolas Primárias de Viseu, durante 1957.

Deram as experiências feitas em 1956 óptimos elementos para o aperfeiçoamento do plano de Extensão Escolar do Museu de Viseu.

Obtiveram-se resultados animadores. Assim, é vulgar ver aos domingos, pela manhã, numerosos grupos de crianças, com cerca de 10 anos, a visitarem voluntàriamente o Museu. Os quais destes grupos foram anteriormente visitantes do Museu, integrados nas visitas das Escolas Primárias ao Museu.

Alguns destes jovens visitantes já têm oferecido objectos para o Museu: moedas, estampas, etc. Apesar de não serem dádivas de valor, muito querem informar do interesse existente em ampliar este serviço de extensão escolar dos museus aos alunos das Escolas Primárias.
O Director do Distrito Escolar de Viseu, tem sido o grande animador deste serviço de extensão cultural, sempre pronto em dar as maiores facilidades, tomando possível que os alunos de Viseu e dos arredores se desloquem de visita ao Museu de Grão Vasco.

Parece que para melhores resultados educativos se obtenham só visitem o Museu os alunos da 4ª classe. O seu nível cultural já lhes permite uma melhor apreensão dos conhecimentos artísticos. É de aconselhar que a visita seja feita em pequenos grupos e só uma ou duas salas sejam percorridas pelos alunos. Procura-se desta forma a que apreendam melhor os valores artísticos arquivados e se habituem a frequentar e jamais a correr o Museu.

Procura-se, em 1958, ritmar estas visitas, fornecendo aos alunos materiais de desenho ou aguarela, para que possam reproduzir à sua maneira a impressão que levam da sua visita ao Museu.

Antes de saírem assistirão a uma sessão de cinema de nível cultural adequado.

A reserva destas visitas escolares só aos alunos da 4ª classe têm a sua justificação. Além dos alunos possuírem um melhor nível cultural, deixa-se, aos mais atrasados das outras classes, um futuro centro de interesse que é o passeio e a visita ao Museu.

O conservador Arqtº José Cid Tudela, acompanhou as visitas dos alunos da Escola Industrial e Comercial de Viseu, às diversas colecções do Museu. Foram muito numerosas estas visitas, que pressupõem a maior utilidade aos futuros artífices formados pelo nosso Ensino Técnico.

CINEMA CULTURAL SOBRE ARTE

Por ter tido outro destino a única sala onde é possível dar sessões cinematográficas não foi possível durante o ano de 1957 dar qualquer sessão de cinema cultural.

BIBLIOTECA

Além das obras de consulta adquiridas pelas disponibilidades orçamentais, foram oferecidas obras pelas entidades a seguir:

Instituto de Alta Cultura, Academia Nacional de Belas Artes, Academia Portuguesa de História, Faculdade de Letras de Lisboa, Museu Etnológico Dr. Leite de Vasconcelos, Agência Geral do Ultramar, Museu de Arte Contemporânea, Museu de Arte Antiga, Broteria, Câmara Municipal de Almada, Instituto de Estudos Clássicos, da Universidade de Coimbra, Biblos, Câmara Municipal de Évora, Euphrosyne, Junta Central das Casas do Povo, Instituto Português de Oncologia, Museu Malhoa - Sociedade de Concertos da Madeira, Embaixada da Brasil, Instituto de Antropologia da Universidade do Porto, Serviços Geológicos de Portugal, Galeria Dominguez Alvarez, Institut Français au Portugal, Serviços de Informação dos Estados Unidos da América, Laboratório de Engenharia Civil, Dr. Carlos de Passos, Almeida, Bastos, & Piombino e Cª, Secretariado Nacional de Informação, Universltá di Bologna, Society of Architectural Historians, Museu pré-histórico - etnográfico «L. Pigorini, Seminário de Estudios de Arte y Arqueologia, Universidade de Valladolid, Seminário de Arqueologia e Numismãtica Aragonesas, Instituicion “Fernando el Catolico”, Jefatura del Servico Nacional de Excavaciones Arqueologicas, Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, Diputacion Provincial de Badajoz, Museu Bicknel, Instituto “Rodrigo Caro”, Institucion “Príncipe de Viana”, Museu de Arte de Barcelona, State Service for Archeological Investigations in the Netherlands, Sociedad Arqueologia Luliana, Institución Fernãn-Gonzalez, Comissão Municipal de Turismo de Viseu e Faculdade de Filosifia y Letras de Buenos Aires.

REMODELAÇÃO DE SALAS DO MUSEU

Com a preparação da montagem da Exposição Comemorativa do Centenário de Columbano, tiveram de ser retirados todos os quadros de pintores contemporâneos expostos no corredor e duas salas do anexo do 2º andar do Museu. A maioria destas pinturas recolheu às arrecadações por falta de espaço para a sua apresentação.

Agora e em substituição temos a Sala do Grupo do Leão, em que se apresentam 5 paisagens de Columbano e outros trabalhos de Silva Porto, Ramalho, Soares dos Reis, Malhoa, João Vaz, Rafael Bordalo Pinheiro e D. Maria BordaIo Pinheiro.

Numa outra sala expõem-se os estudos de Columbano. No corredor, apresentam-se os desenhos dos personagens históricos agrupados depois nos estudos dos painéis que ornamentam os Passos Perdidos da Assembleia Nacional.

Finalmente, manteve-se quase intacta a sala da pintura de Columbano e onde estão expostas produções que bem documentam as diversas fases da sua actividade pictórica.

Ainda não foi possível instalar a colecção numismática legada ao Museu pelo Exmo. Sr. Dr. Nogueira Lobo.

O estudo da apresentação pública da colecção de numismática condenou, para o fim, a sala primitivamente a tal destinada, pelo que se adoptou a uma saleta de descanso, guarnecendo-a com mobiliário do século XVII e XVIII e alguns retratos.

AQUISIÇÕES DE OBRAS DE ARTE
ESCULTURA DE MESTRE PERO



"Imagem de Santa Catarina" - Séc. XIV - de Mestre Pero. Proveniente de Vila Facaia - Pedrógão Grande

No corrente ano apareceu à venda em Viseu a escultura que reproduzimos, representando Santa Catarina. Lavrada em pedra de Ançã, nos princípios do século XIV, tem todas as características, estruturais e de composição que permitem a afirmação de ser obra de Mestre Pero.

É proveniente da região de Pedrógão.

O Museu deve ao Governo da Nação, em especial aos Exmos. Ministros das Finanças e da Educação Nacional, a verba especial que permitiu a aquisição deste valioso espécime da nossa escultura Dionisiana.

OFERTAS DE OBRAS DE ARTE

Do pintor Gata foram oferecidas ao Museu duas miniaturas sobre marfim ( cerca de 1830) retratando o bisavô e avô de D. Amélia do Valle e Silva Andrade. Foram entregues ao Museu pelo Exmo. Senhor Coronel José Maria Valle de Andrade, como legado de sua Exma. Mãe.

O RETÁBULO DE FERREIRIM

O grande incêndio ocorrido há tempos no Convento de Ferreirim motivou grandes obras de restauro no edifício o que levou a Direcção dos Monumentos Nacionais a apear os painéis constitutivos do retábulo quinhentista.

Desejando, a Direcção do Museu de Grão Vasco, organizar uma Exposição Temporária sobre a Pintura quinhentista da Beira Alta, executada na 1ª metade do século XVI, solicitou-se a cedência temporária dos painéis de Ferreireim.

Por determinação superior foram tais painéis mandados depositar no Museu de Lamego.

INVENTÁRlO ARTÍSTICO E CARTA ARQUEOLÓGICA DA BEIRA ALTA

Têm-se recolhido os possíveis informes acerca do património artístico e arqueológico da Província da Beira Alta, para se criar um Ficheiro no Museu, respeitante às diversas épocas da arquitectura, escultura e pintura, bem documentado fotogràficamente.

Elaborou-se um questionário-inquérito, como prévia preparação à elaboração da Carta Arqueologia da Beira Alta.

ACTIVIDADE ARQUEOLÓGICA

Procurando desenvolver a colecção arqueológica do Museu de Viseu, fizeram-se diversas viagens de prospecção e inventário dos monumentos ainda existentes na Província da Beira Alta.

Deu-se prioridade à documentação recolhida dos textos epigráficos existentes gravados em grandes penedos graníticos e pegmatíticos.

Recolheram-se algumas epígrafes funerárias romanas da região, ampliando-se a pequena série existente no Museu.

Para a primavera do próximo ano prepara-se uma campanha de exploração das antas e antelas da região.

Continua-se com a busca de elementos para a localização territorial das populações romanizadas cuja denominação até agora nos chegou.

Em resultado destas investigações já é possível situar os Ocelenses e os Colarni.

CONVEGNO STORICO - ARCHEOLOGICO INGAUNO

Nos dias 15 a 18 de Dezembro realizou-se em Albenga mais um congresso arqueológico promovido pelo Instituto Internacional de Estudos Ligures.

Com um programa altamente sugestivo, onde se destacavam visitas ao Museo Navale Romano, no Palazzo D' Aste e as escavações das grutas de Básura e Colombo, debateram-se problemas monográficos, respeitantes à pré-história, aos monumentos e história de Albenga.

No final realizaram-se excursões a Finale, Noli, Ventimiglia, Balzi Rossi, e Bordighera.

XIXme CONGRÈS INTERNATIONAL D'HISTORIE DE L'ART - PARIS, 8-13 DE SETEMBRO DE 1958

Nestas datas vai voltar a reunir, e desta vez na Sorbone, o Congresso Internacional de História de Arte. A discussão subordina-se ao tema proposto: Relations artistiques entre la France e l'Etranger.

Diversas excursões estão previstas após o Congresso.

A Secretaria do Congresso, onde se prestam todos os informes aos interessados funciona no Museu Rodin, Paris.

VIRIATIS - vol. I, nº II, ano de 1957 (11/12)

PESQUIZAS ARQUEOLÓGICAS SUBMARINAS, NO ATLÂNTICO

Um mero acaso fez com que se iniciasse a recolha, em plena costa atlântica, de objectos provenientes do naufrágio de uma nave romana no enfiamento do estuário do Mondego, ao largo da Figueira da Foz.

Um barco da pesca do alto, deixou, por qualquer circunstância, roçar pelo fundo das 70 braças, a sua rede de arrasto. Ao recolher o lanço, entre o pescado surgiu um fragmento dum vaso de cerâmica romana.

Chegada a notícia ao meu conhecimento, muito me interessou o achado e convenci o mestre do arrastão a bater bem o local com a sonda eléctrica, e desta forma se conseguiu localizar no fundo, meio enterrado na vasa, os restos da nave naufragada.


Dolium romano, recolhido ao largo da barra da Figueira da Foz

Com todas as cautelas, apesar de não se conhecerem pedras nas imediações, deixava-se assentar a fímbria da rede no fundo e roçagando de vagar, tinha-se a sorte de em alguns lanços arrancar os dolia e as anforae meio enterradas no lodo do fundo.

Alguns fragmentos se foram recolhendo, até que, por receio de causar dano às custosas redes de arrasto, se abandonaram as pesquisas que prometiam amplos resultados. Para o seu prosseguimento tornava-se indispensável um escafandro autónomo que pudesse descer às 70 braças de profundidade além do necessário material de navegação e apoio que não possuíamos.

Pelos vasos recolhidos pode permitir-se a ilacção da exportação de vinho e azeite pela barra da actual Figueira da Foz, durante o domínio romano.

R. C.

VIRIATIS - vol. I, nº II, ano de 1957 (10/12)

A LÁPIDE ROMANA DO BURGO

CANDAL, s. Pedro do Sul

Em 3 de Abril de 1952, quando Manuel Cristóvão de Pinho, revolvia diversos pedregulhos e terra, no lombo do Burgo, da freguesia serrana do Candal, do concelho de S. Pedro do Sul, foi encontrado um túmulo, com cerca de 1m,70 de comprimento, 0,65 de largura por 0,5 de profundidade.

As paredes laterais eram constituídas por paramentos de alvenaria e a tampa formavam-na duas lages. Numa das paredes laterais apareceu a lápide romana que se reproduz e hoje se encontra depositada na galeria epigráfica do Museu «Grão Vasco».

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Este achado já foi noticiado na revista «Beira Alta», vol. XII, pág. 159, e vol. XVI, pág. 199, mas a sua leitura não corresponde ao texto correcto da inscrição que, novamente, lemos.

A lápide de granito apresenta as seguintes dimensões: 85 x 46 x 15 cm, tendo a letra 7 cm de altura.

A epígrafe desenvolve-se por 6 linhas, havendo um nexo no fim da 2ª linha, onde vemos a contracção de um A e N.

L . VAL . CA
MPAN
VS . AR
COBRIG
ENSISH
IC . S . EST

Significa: L(ucius) . VAL(erius) . CAMPANVS . ARCOBRIGENSIS HIC . S(itus) . EST.

E em vernáculo: Lúcio Valério Campano, Arcobrigense, está aqui sepultado.

Tem esta lápide certo interesse.

Não só nos lembra a deslocação de um Arcobrigense, natural da cidade de Arcóbriga, nas proximidades da actual Saragoça, até terras da Lusitânia, como também permite a forte suposição da existência de um caminho romano nas imediações do local do achado.

R. C.

VIRIATIS - vol. I, nº II, ano de 1957 (9/12)

DR. ABEL DE LACERDA

A morte inesperada do Dr. Abel de Lacerda, ocorrida a 7 de Julho, deixou uma lacuna, nas actividades ligadas à valorização do nosso Património Artístico, que dificilmente será suprida.

Apesar de ter sido orientada a sua formação universitária no domínio das Ciências Econ6micas, desenvolvia há oito anos grande actividade no campo da Arte, impondo os seus pontos de vista, com o que muitos julgavam audácia, quando só era a acrisolada fé dos grandes realizadores.

A organização em 1951 da inolvidável Exposição de Arte Sacra do Concelho de Tondela, mostrou a sua capacidade, como realizador e como museólogo.

Dando seguimento aos seus anseios da maior valorização artística do Património Nacional e desempenhando as funções de Presidente da Comissão de Turismo do Caramulo, promove a criação do Museu do Caramulo, seguindo, propagueando conceitos, seguindo uma rota pouco trilhada, julgada por muitos sem probabilidade de sucesso.

Desenvolvendo grande actividade, sem curar de sacrifícios e canseiras, sabia conquistar amizades, como tornar simpática a sua ideia de inctementar as dádivas ao seu Museu dos Particulares.

O importante patrim6nio que conseguiu juntar no Museu do Caramulo, deve-se quase exclusivamente à sua grande actividade pessoal.

O seu entusiasmo, para não dizer do interesse e carinho com que sempre acompanhava as iniciativas do Museu de Viseu, muito faz sentir a sua falta de presença.

BIBLIOGRAFIA

Fundador do semanário "Ecos da Serra"
Uma Legislatura - 1949 / 53 -
Exposição de Arte Sacra. Subsídios para o inventário artistico do concelho de Tondela. 1951
Museu do Caramulo - Relação de obras de arte oferecidas em 1953, 1954.

VIRIATIS - vol. I, nº II, ano de 1957 (8/12)

Dr. Georg Leisner



Faleceu em Stuttgart nos primeiros dias de Outubro o Dr. Georg Leisner, figura de cientista de renome internacional, investigador autorizado sobre a arqueologia dos tempos megalíticos da Península Hispânica.

Segundo as notas biográficas que o Dr. W. Grünhagen forneceu, o Dr. Georg Leisner, nascido em Kiel a 2 de Setembro de 1870, dedicou-se à carreira das armas, tendo combatido como oficial na China, na África e na Grande Guerra.

Abandonando o exército em 1918, colaborou de 1924 a 1927 no Instituto de Morfologia Cultural, de Frankfort. Fez parte da expedição que em 1926 Leo Frobenius organizou ao Egipto.

De 1927 a 1932, cursou a Universidade de Munique e Marburgo, durante os quais, 1929 - 1930, realiza a sua primeira viagem de estudo à Península Ibérica.

Doutorado em 1932 pela Universidade de Marburgo, logo volta à Península, onde se demora até 1934.

Interessado grandemente nos problemas da Cultura Megalitica principia a percorrer metòdicamente as regiões portuguesas, onde abundam monumentos, a cujo estudo havia de consagrar toda a sua vida.

Percorre a Beira Alta, apresentado pelo Prof. Mendes Corrêa, a Almeida Moreira e a outras pessoas da região.

O Cônego Manuel Fonseca da Gama, na sua monografia. «Terras do Alto Paiva», descreve assim a visita de Leisner às Orcas e Antas de Vila Nova do Paiva:

«Foi no ano de 1933. O Dr. Georg Leisner, vinha acompanhado de sua esposa, Vera Leisner, não menos erudita do que ele. Do Porto, por onde tinham passado, traziam carta de apresentação para Heitor Jácome (farmacêutico diplomado) do distinto homem de ciência e professor universitário, Dr. Mendes Corrêa.

Fizeram por toda esta região uma demorada visita de estudo, tirando fotografias, copiando pinturas (por decalque) da Orca dos Juncais e de outros dolmens, esquadrinhando no solo qualquer resíduo que tivesse escapado a anteriores investigações.

Aplicados com devoção às suas pesquisas, interessados no menor pormenor das descobertas que faziam, percorreram a serra da Nave, onde há, (como foi dito) um alfobre de megalitos, desde o Touro até Ariz, passando por Forles, por Alhais até à Queiriga

«Na despedida prometeram mandar a publicação destes seus trabalhos de investigação, mas não se receberam. Disseram também que tencionavam voltar a Portugal no ano imediato, tendo em mente percorrer a provincia de Trás-os-Montes em viagem de estudo.»

«Eram minuciosos nas informações que pediam: costumes, produção da terra, etc.. Diziam que, tendo percorrido várias nações, não tinham encontrado uma melhor nem mais obsequiosa gente. Valha-nos isso ao menos.»

Desta sua visita às Antas da Beira Alta, resultou o seu importante estudo sobre as pinturas esquemáticas, de características Levantinas do Dolmen da Pedra Coberta - Queiriga - o seu primeiro estudo sobre a arqueologia portuguesa e publicado em 1934, no voI. IX de «IPEK».

Por cá se demorava quanto podia, percorrendo metódica e sistemàticamente o pais, reconhecendo os monumentos megaliticos já inventariados por outros arqueólogos, buscando em cada sítio visitado novos monumentos pertencentes a esta cultura.

Em 1943, no decurso da Guerra Mundial, fixa a sua residência em Lisboa e então, subsidiado pelo Instituto de Alta Cultura, dedica-se quase exclusivamente à ampliação e publicação dos seus estudos sobre os monumentos da Cultura Megalítica Portuguesa, dedicando especial atenção às antas da região alentejana.

Colaborador assíduo ao Museu Etnológico Português, auxiliou o Prof. Heleno, nas escavações dos mosaicos romanos, da Herdade da Torre da Palma.

Todos temos de lamentar o seu desaparecimento, pois apesar dos seus 87 anos, ainda deixou pronto para publicação, com os resultados das suas investigações e estudos em Portugal, o segundo volume da sua obra «Os túmulos megalíticos da parte ocidental da Península Ibérica», aparecida em 1956, douto ensaio, testemunho dos seus amplos conhecimentos sobre a Cultura Megalítica Portuguesa.

R. C.

BIBLIOGRAFIA

1934 - Nuevas Pinturas Megalíticas en España. Investigación y Progresso, Madrld.
1934 - Die Malereien des Dolmen Pedra Coberta. Ipek 9,23.
1935 - La estela-menhir de la Granja de Toniñuelo. Investigación y Progresso, Año IX, Nr. 5, 129. Madrid.
1938 - Verbreitung und Typologie der galizisch-nordportugiesishen Megalithgräber. Marburg. 1938 - Ausgemeisselte Türen in Megalithgräbern der Pyrenäenhalbinsel. Marburger Studlen, 147.
1940 - Ueberleben megalithischer Elemente in ländlichen Bauten von Alentejo. Actas do Congresso Nacional de Ciências da População. Vol. II. 1 - Porto.
1941 - Puertas Perforadas en Sepulcros megalíticos de la Peninsula Hispánica. Corona de Estudos que la Sociedad Española de Antropologia, Etnografía y Prehistoria dedica a sus Martires. Madrid.
1942 - Probleme der östlichen Ausbreitung der portugiesischen Megalithkultur. Ethnos II, 1. Lisboa.
1943 - Die Megalithgräber der Iberischen Halbinsel. Erster Teil: Der Súden. Rómisch Germanisch Forschungen Band 17. Berlin.
1944 - O dólmen de falsa cúpula de Vale-de-Rodrigo. Biblos XX, 23.
1945 - A Cultura Eneolitica do Sul da Espanha e suas Relações com Portugal. Arqueologia e História. 8ª Série, Vol. 1, 11. Lisboa.
1948 - Antas dos Arredores de Évora - A Cidade de Évora, Boletim da Comissão Municipal de Turismo, 15, 16 e 17 - Évora.
1949 - Antas dos Arredores de Évora. Estudos de História, Arte e Arqueologia, III. Évora.
1951 - Antas do Concelho de Reguengos de Monsaraz. Instituto de Alta Cultura. Lisboa.
1951 - A Anta das Cabeças. O Arqueólogo Português. Nova Série, I, 7.
1952 - Los Sepulchros Megalíticos de Huelva. Ministerio de Educación Nacional. Comisaria General de Excavaciones Arqueológicas. Informes y Memorias 26. Madrid (en colaboración con Carlos Cerdán Marquez).
1953 - Ein Fund der «Bronze Mediterráneo> in der Provinz Sevilla. Zephyrus IV, 166. Salamanca.
1953 - Contribuição para o Registo das Antas Portuguesas. A Região Montargil, Concelho de Ponte de Sôr. O Arqueólogo Português, Nova. Série n, 227 Lisboa.
1955 - Antas nas Herdades da Casa de Bragança no Concelho de Estremoz. Lisboa.
1956 - Dia Megalithgräber der Iberischen Halbinsel. Der Westen, 1. Lieferung. Deutsches Archäologisches Institut, Abteilung Madrid. Madrider Forschungen Hd I Berlin.

EM PUBLICAÇAO:

Die Megalithgäber der Iberischen Halbinsel. Der Westen, II. Lieferung. Deutsches Archäologisches Institut, Abteilung Madrid. Madrider Forschungen.

El Guadalperal. Deutsches Archäologisches Institut. Abteilung Madrid Madrider Mitteilungen.

domingo, abril 17, 2005

VIRIATIS - vol. I, nº II, ano de 1957 (7/12)

LÁPIDES ROMANAS DO MUSEU DE CHAVES

por Fernando Russell Cortez, Bolseiro do Instituto de Alta Cultura

Em Novembro de 1948 tive ensejo de estudar as lápides romanas da colecção do Museu de Chaves, a pedido do então Presidente da Câmara, Exmo. Senhor Alferes Cantista, pessoa a quem preocupava o precário arrumo da colecção local de arte e arqueologia e muito se interessou por dar uma instalação condigna ao Museu Flaviense.

Do trabalho de inventário, prévio à projectada instalação definitiva do Museu, resultaram os apontamentos hoje publicados.

A maioria destas lápides já foram recolhidas por Hübner e seus continuadores, ou publicadas pelo Coronel Mário Cardoso (1) que em Chaves viveu largos anos como comandante da guarnição militar.

Têm o maior valor para a história do Município Romano de Aquae Flaviae, e para o estudo da romanização do Norte de Portugal.

Para facilidade de arrumo agrupam-se estas epígrafes romanas, mais ou menos de acordo, com a natureza dos seus titulos: VOTIVAS, FUNERÁRIAS, COMEMORATIVAS e VIÁRIAS.



1,2
3,4
Lápides romanas do Museu de Chaves

VOTIVAS

1 - Proveniente de CHAVES - Encontrada na margem esquerda do Tâmega, mergulhada em parte no rio, a cerca de 150 metros a montante da Ponte de Trajano.

Dimensões:
Lápide 81 x 42 x 40 cm
Epigrafe 33 x 39 cm
Letra 6,7 a 8 cm

I . O . M
VAL . REBV
RVS
SACRVM
P.L

I(ovi) O(ptimo). M(aximo) VAL(erius) REBURUS SACRUM P(osuit) L(ibens).
Do lado direito uma outra legenda da qual se lêem algumas letras FLu SOPu (P U)

2 - Recolhida em VILARELHO DA RAIA - Abandonada na estrumeira de uma casa de lavoura.

Dimensões:
Lápide 67 x 22 x 20 cm
Letra 7 cm
Deu entrada no Museu de Chaves por interferência do Sr. Dr. Francisco de Barros.

Esta ara votiva consagrada a Júpiter Optimus Maximus, já foi publicada pelo Sr. Coronel Mário Cardoso, sob o nº 6, pág. 20 do seu estudo «Algumas inscrições Lusitano-Romanas da região de Chaves, dando-a de dificil, senão de impossivel leitura, pois apresenta os caracteres das linhas 4 e 5 quase totalmente obliterados. A acrescer a esta dificuldade insuprivel, a ara foi invertida e, consequentemente, o texto foi lido de pernas para o ar. O sucedido era facilitado, pois este monumento tem a sanca da base de menor modulo do que a da parte superior.

A leitura proposta por Mário Cardoso - IIASOS / SAIV NISC / - - - /ISOH / IOAXF / EV.O.S - deve ser corrigida para:
I. O . M
EX VOTO
R O FI. .
. . . . F
5) . . . S L V
NOLVS
POSVIT

com reserva para a leitura das linhas 4 e 5. Encontrando-se no final da 6ª e 7ª linhas a fórmula votiva: Libens votum s0lvit posuit.

3 - Proveniente de CHAVES - Apareceu em 1935 nas demolições do Quartel de Caçadores nº 5. Oferta do Capitão António de Magalhães.

Dimensões:
Lápide 80 x 50 x 35 cm
Letra 6 a 8 cm

MATRI
DEVM
GELASIVS
CAESARIA

4 - Proveniente de CHAVES - Recolhida a 80cm de profundidade, em 1929, quando procediam a obras municipais na Travessa da Farmácia.

Dimensões:
Lápide 68 x 32 x 25
Letra 5 e 6 cm

VENERI
VICTRICI
LA . Ex . VI
A R P

Na linha 4, L A deve ser o nome da dedicante, como queria Leite de Vasconcelos, uma vez que o sinal de separação é distinto da abreviatura de E x V I S U pelo que devemos ler aram posuit. Se L A traduzir L (ibens) A (mimo) na linha 5 deve antes ler-se ara posita.
José L. Vasconcelos. Arch. Porto XXVIII, 142 ss.
Fº M.el Alves - Mem. Arq. Hist. do Dist. de Bragança IX.
L. Fernandez Fuster, La formula «ex visu» en la Epigrafia Hispanica. A. E. A, 80.


5,6
7,9
Lápides romanas do Museu de Chaves

5 - Proveniente de OUTEIRO JUSÃO, SAMAIOES - Em 1932 servia de suporte à pedra do altar-mor da Igreja de Outeiro Jusão, a 2,5 km a Sul de Chaves. Oferecida ao Museu pelo Revº Silvino Rodrigues da Nóbrega.

Dimensões:
Lápide 91 x 47 x 31 cm
Letra 3,5 a 5,5 cm

INSIDI
CORNELIA
SATVRNINA
E x . V O T O

Tem sido interpretada como um voto a ISIS.

6 - Proveniente da GRANGINHA - Servia de suporte à lareira de uma casa desta povoação, sita a 2 km a S W de Chaves. Oferta ao Museu, de Leopoldo Coelho Russel Cortez.

Dimensões:
Lápide 67 x 41 x 23 cm
Letra 5 a 8 cm

LARIBVS TAR
MVCENBACIS
CECEAECIS
RARIVS RAUU
VSLM

C. I. L., II nº 2472
J. L. V. Rel. Lus. II, 179

7 -- Proveniente de CHAVES - Recolhida .pelo benemérito reorganizador do Museu de Chaves, Dr. Júlio Gomes.

Dimensões:
Lápide 43 x 36 x 25 cm
Letra 3 a 7 cm

MVNIDIIM
LV VAREC
RVS . Ex VOT

Esta epígrafe, inédita até ao presente, está gravada numa lage de granito. Bastante mutilada; a sua moldura superior foi desbastada e a base falta completamente.

O texto votivo distribui-se por 3 linhas:

1.ª - Em caracteres, menores que os das outras duas regras, vemos um M seguido de um V, de um N em que a haste vertical da direita excede a altura da letra e pode considerar-se com o nexo N I; depois um D e um E, representado por I I. Finalmente aparece um M.

Nos cinco primeiros caracteres penso estar o genitivo do nome da divindade MVNIDE.

Tal invocação não é desconhecida no Panteão pré-romano Peninsular; foi encontrada em Arroyo deI Puerco, Talavan, Cáceres - Catálogo Monumental de Cáceres, 149. Pedro Batle Huguet. Epigrafia Latina, 225. António Tovar e Joaquim Mª de Navascues, Algunas consideraciones sobre los nombres de divindades del Oeste Peninsular, nº 132, id. id. Bol. Real Acad. Hist. LXIV, 306. Na Idanha-a-Velha - Femando de Almeida, Egitania, pág. 143.

2ª - Com a última letra da 1ª linha, M, e o primeiro sinal gráfico muito pouco vulgar, existente nesta regra, eu penso encontrar a abreviatura do praenomen do dedicante MA N I U S (?) a que se segue o nome V A R E C R U S, constituído por 5 caracteres da 2ª linha e os três primeiros da 3ª linha.

Os caracteres finais da 3ª linha grafam uma das consabidas fórmulas votivas E x V O T (o) . A transcrição pode justificar a seguinte leitura:

MVNIDE MA(n)IVS VARECRVS Ex VOT(o)

8 - Proveniente de CHAVES - Campo da Roda.

Dimensões:
Lápide 82 x 26 x 16 cm

.......
REVA
.......

Oferecida ao Museu pelo Dr. Francisco de Barros.

9 - Proveniente de TRÁS MINAS. Oferta do Dr. Júlio Gomes.

Dimensões:
Lápide 72 x 37 x 35 cm
Letra 6 a 7 cm

A D B V
.......
.......
.......
A.X - - - -
SMDI . VSL . M

Lápide inédita, mas de quase impossível leitura pela espessa camada de cimento com que foi pintada. No entanto, o seu carácter votivo é-nos indicado pela fórmula da última linha.


13, 11
10, 12
Lápides romanas do Museu de Chaves

10 - Proveniente de CHAVES - Fragmento de lápide votiva achada em 1935, durante as demolições do Quartel de Caçadores 5. Oferta do Sr. Capitão António de Magalhães.

Dimensões:
Lápide 63 x 53 x 12 cm
Letra 8 a 9 cm

.... SDI
COS
. L P

FUNERÁRIAS

11 - Proveniente de CHAVES - Estela funerária recolhida nas alvenarias demolidas, durante as obras de 1935, no Quartel de Caçadores 5. Oferta do Capitão António de Magalhães.

Dimensões:
Lápide 80 x 38 x 21 cm
Letra 5 a 7 cm

REBVRRVS
VIRIATIS
INTERAMICVS

A lápide é rematada por um trisceles e encontra-se fracturada e incompleta.

12 - Proveniente de SEGIREI - Lápide sepulcral, em xisto amarelado, encontrada nos trabalhos executados perto do poço desta povoação que se situa no extremo N E do concelho de Chaves. Oferta ao Museu do Dr. Júlio Gomes.

Dimensões:
Lápide 56 x 33 x 8 cm
Letra 2 a 3 cm

D M S
SENECIAN
A XXV

13 - Proveniente da PASTORIA - Casas Novas - Segundo Argote, I, 294, esta lápide, de grande tamanho, foi encontrada numa veiga, entre as povoações de Pastoria e Casas Novas. Posteriormente recolheram-na na casa de Bobeda. Oferecida ao Museu pela Exma. Senhora D. Maria de Lacerda Xavier Pizarro.

Dimensões:
Lápide 1,80 x 64 x 25 cm
Epígrafe 70 x 50 cm
Letra 5,5 a 8 cm

CAMALVS
BORNI. F .
HIC . SITVS
EST ANNOR
+++ . ETS . )TARBU
FRATER . FACIE
NDV CVRAVIT

Hübner transcreveu erradamente de Argote, na 2ª linha BURNI por BORNI. Como refere Mário Cardoso as 5ª e 7ª linhas estão obliteradas, mas não tanto que não possam ser lidas.

No começo da linha 5 o numeral III é cortado por um traço horizontal, pelo meio do corpo das letras.

Segue-se um E, depois um T, seguido de um S, que bem podem significar E(x) T(estamento) S(uo).

Não podemos como fez Hübner, ligar o S à palavra seguinte, por ser bem nítido o ponto separativo.

Não podemos, pois, continuar a ler no final da 5ª linha S ) T A R B I pelo que atrás fica dito e igualmente por a última letra não ser um I antes um U com as hastes muito próximas; dada a carência de espaço, o lapicida quase a confundiu com o sulco que orla a cartela onde a inscrição foi gravada.

Parece-me poder ler-se ) T A R B U, interpretando como significando centuria T A R B U (m).

Nas outras linhas não vemos dificuldade e lemos FRATER . FACIENDV(m) CURAVIT.

Propomos a leitura corrigida: CAMALVS BORNI . F(ilivs) . HIC . SITVS . EST ANNOR(um) +++ . E(x) T(estamento) S(uo). ) TARBU(m) FRATER FACIENDV(m) CURAVIT.

Argote, Memórias, I, 294 - C.I.L.II nº


14, 15
16, 17
18, 19
Lápides romanas do Museu de Chaves

14 - Proveniente de CHAVES - Lápide funerária encontrada nas demolições do Quartel de Caçadores 3 - 1935. Oferta do Sr. Capitão António de Magalhães.

Dimensões:
Lápide 48 x 53 x 25 cm
Letra 9 cm

LAVCIA
RVFINI
LAVCI

15 - Proveniente de CHAVES - Lápide funerária, encontrada em 1935, durante as obras no Quartel de Caçadores 3. Oferta do Sr. Capitão António de Magalhães.

Dimensões:
Lápide 47 x 52 x 27 cm
Letra 10 cm

LAVCIVS IR . RVFIN
VCI . RUF
PATRI
......

16 - Proveniente de CHAVES - Fragmento de lápide funerária,da Cidade de Chaves, mas de localização ignorada.

Dimensões:
Lápide 60 x 62 x 32 cm
Letra 5 a 7 cm

I MARIA
A ET . FRATER
SASSI
C.......

A primeira linha está mutilada, mas lê-se perfeitamente os restos das letras correspondentes a M A R I A.

Na 3ª linha leio S A S S I. No princípio da 4ª regra diviso os restos de um C que bem podia pertencer à palavra C (uravit).

17 - Proveniente de CHAVES - Cipo arciforme encontrado enterrado nas proximidades do adro da Igreja Matriz. Entre o ângulo N W da fachada principal da matriz e a esquina
fronteira onde está instalada a Sociedade Flaviense.

Dimensões:
Lápide 1,17 x 40 x 20 cm
Letra 12 a 15 cm

EV . VAN . THI

18 - Proveniente de CHAVES - Cipo arciforme recolhido em 1931, durante as obras no Quartel de Caçadores 3.

Oferecida ao Museu pelo Sr. Capitão António de Magalhães.

Dimensões:
Lápide 80 x 45 x 32 cm
Letra 12 cm

MAXELAN
NI

19 - Proveniente de CHAVES - Fragmento de lápide romana, de significado incerto.

Dimensões:
Lápide 75 x 40 x 13 cm
Letra 9 a 10 cm

) . L V
ANDO


20, 21
22
Lápides romanas do Museu de Chaves

COMEMORATIVAS

20 - Proveniente de Chaves - Lápide comemorativa, encontrada- em 1935, nas obras do Quartel de Caçadores 3. Oferecida ao Museu pelo Sr. Capitão António de Magalhães.

Dimensões:
Lápide 86 x 60 x 34 cm
Letra 7 a 10 cm

(CONC)ORDIAI
MVNlCIP S
MVNICIPI
AQVIFLAVIE
L.VALERIVS
LONGINVS
DE . SVO

Na 1ª linha, apesar da fractura que quase a obliterou por completo, lê-se, sem sombra de dúvida C O N C O R D I A E. O último E tem as hastes horizontais bastante reduzidas, faltando o espaço ao abridor, que então dobrou a letra sobre a espessura da lápide.

21 - Proveniente de OUTEIRO JUSÃO, SAMAIÕES - Marco de limites que em tempos esteve metido na parede de uma casa.

Bloco prismático de secção quadrangular com as dimensões de 75 x 32 x 30 cm e com inscrições em duas faces opostas, tendo a letra 8 cm.

PRAEN

Do lado oposto

COROC

Contador de Argote já refere esta lápide e outra igual que está hoje no Museu Etnológico Português como marra, limítrofe de duas populações.

Apareceram ambas estas marras em locais próximos pertencentes à actual freguesia de Samaiões.

Argote - Memórias - C. I. L. II 2489.
J. L. V. Arch. Port. XXII, 15.

VIÁRIAS

22 -- Proveniente de ANTIGO DOS ARCOS - Coluna viária, da via Braga - Astorga.
Este marco miliário de 1,30m de altura e 0,64 de diâmetro encontrava-se nesta povoação do concelho de Montalegre a suportar o telhado duma varanda do pátio da casa de Manuel Moreno, donde transitou para o Museu de Chaves.

É dedicado a Tibério e foi lavrado no ano 31 J. C. .

TI . CAESAR . DIVI . AVG . F .
DIVI . IVLI . NEP . AVG . PONT
MAX . IMP . VIII . COS . V
TRI . POT . XXXIII .
BRAC . AVG . LIX .

O letreiro, com caracteres de 10 e 12cm de altura apresenta-se magnificamente conservado.

C. I. L., 4778, Capela Miliários, pág. 91.


24, 23
Miliários do Museu de Chaves

23 - Proveniente de ARCOS, freguesia de Cervos-Boticas. Coluna viária da estrada de Braga a Chaves. Marco dos tempos de Cláudio - ano 43 J. C.. Oferecido ao Museu de Chaves pelo Dr. Júlio Gomes.

Referido por Argote e por Hübner, a minha leitura sugere algumas corrigendas.

TI . C L A V D I V S [ca] E S
S A R . A V G G [er] M A
N I C V S P O N[t] [ma]X
IMP . V COS [t]RIB
P O T III . P[p][bra]C
AVG . L....

Dimensões:
Altura 1,60.
Diâmetro 0,55.
Letra 10cm.

Argote, Memórias, II, 600 e 602; C. I. L. II 4770. Ephemeris Epigraphica, VIII, nº 218; Capela, Miliários, pág. 100.

24 - Proveniente da VENDA DOS PADRõES, Codeçoso, Montalegre.

Transcrito por Argote, nas suas Memórias, de acordo com a cópia do Bispo de Uranopolis, e já referido pelo Dr. João de Barros, no séc. XVI, a epígrafe viária é-nos apresentada como só conservando as duas últimas linhas, M P || X L I I.

Hübner no seu Corpus insere-o sob o nº 4774, Capela propõe uma restituição do texto, julgado perdido, baseado na inscrição nº 4782, de igual proveniência, atribuindo-o a Trajano e ao ano 104 J. C..

Examinando este marco, que foi recolhÍão ao Museu de Chaves por intermédio do Dr. Júlio Gomes, e submetendo-o de noite a adequada iluminação, conseguiram-se encontrar outros caracteres que muito permitem esclarecer o texto. A sua conservação é muito má, o granito está salitrado e alterado pela meteorização. Serviu de marra divisória e gravaram nele alguns petróglifos - cruzes etc..

Com as devidas reservas li:

IMP CAES DIVI
[..]ERVA[...]NE[..]VAE
[......]NO [...]G G[...]
[......) O [...) NT [..]x
[. . . . . . . . . .][ ...]P .I
M . P .
XLII

Deve, como supunha Capela, tratar-se de um miliário do tempo de Trajano. A sua data é conjectural por não haver dados certos. Se o IMP for o 1º seria de 97, senão é de 102 J.C.. Parece-me poder atribir a primeira data pois de 102 J. C. foi encontrado neste local o miliário que se segue.

Assinalou já de resto Capela que a contagem não deve ser considerada a partir de Bracara, pois que uma outra Coluna vial de Cláudio, C. I. L. II, 4771, recolhida na mesma freguesia só refere XXXV milhas.

Dimensões:
Altura 2,24.
Diâmetro 0,55
Letra 8cm.

João de Barros, Geografia de Entre Dauro e Minho, Argote, Memórias, 987,II,604. Capela, Miliários pág.117, C.I.L.II, 4774.

25 - Proveniente da VENDA DOS P ADROES, Codeçoso, Montalegre.

Coluna viária oferecida ao Museu pelo Dr. Francisco de Barros.

Deve ser de Trajano e do ano 102 J. C..

A minha leitura completa a transcrita por Hübner, nas linhas 1, 2 e 5.

[........]ESAR B
[....]NERVA[e]. [..]
[......] . AVG . GER . [......]
[..]ONTIF MAX [....]
TRIB . POT VII IMPIV
[...]VIS [........] 102 J.C.
M[..] [....]

Argote, Memórias II pág. 604; C. I. L. II 4782; Capela, Miliários, pág. 117.

26 - Proveniente da PASTORIA, entre Chaves e Boticas - Coluna viária, de Trajano, muito mutilada, lida correctamente por Capela.

[. . . . . . . . . . . . . . .]
[. . .] I NERVAE [...]
[. . . . . . . . . . . . . . .]
AVG . GER[' . . . . .]
PONTIF . MAX 102 J. C.
POT . VII . IMP . IV
AQVIS FLAVIS
MP . V

Dimensões:
Altura 1,08.
Diâmetro 0,60.
Letra 9cm

Este miliário encontrava-se distanciado bons 6 km a sul do alinhamento da via Braga a Chaves, por Serrasquinhos, o que levou Capela a pensar na hipótese de uma variante ou ramal.

Argote, Memórias, II, 604; C. I. L. II 4781. Eph. Ep. VIII nº 220; Capela, Miliários, pág. 116.

27 -Proveniente de VILARANDELO - Fragmento de coluna viária.

Da colecção do Dr. Adalberto Teixeira, foi adquirida pelo Dr. Júlio Gomes e depois oferecida ao Museu.

Estudou-a Mário Cardoso que, com reservas atribuiu o resto do texto, deste fragmento de marco miliário, aos tempos do imperador Flávio Dalmácio.

De acordo com as letras que ainda se podem ler na inscriação em anterior estudo, restitui o texto que antes me parece dedicado ao Imperador Flávio Severo - 305 - 307.

. . M . .
CAES..
FLAVI
V A L. . .

Imp. / / Caesar / / Flavio / / Valeria / / . . . . .

Dimensões:
Altura 0,48.
Diâmetro 0,32.
Letra 6 a 8cm
Mário Cardoso, Ins. Chaves, pág. 62; Russell Cortez. o Culto do Imperador, in Bracara Augusta.

( 1 ) - Mário Cardoso - Algumas inscrições Lusitano-Romanas da Região de Chaves, Chaves 1943. Neste estudo são referidas as lápides do Museu de Chaves sob os números em correspondência com as que referimos:
1: 3; 2: 6; 3: 2; 4: 4; 5: 1; 6: 5; 8: 7; 10: 18; 11: 11; 12: 6 - II; 13: 12; 14: 9; 15: 10; 16: 17; 17: 22; 18: 21; 20: 8; 21: 20;22:16-II; 23:13; 24:16; 25:14; 26:15; 27:13-II.
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